Marcelo Yuka no Caminho das
Setas
Tour de force na fronteira entre o
entretenimento,
a consciência social e o drama individual.
C&N
Documentários a respeito de sobreviventes costumam se pautar
pelo
elogio à superação, numa ótica edificante, principalmente
quando
se trata de artistas. Assim eram Herbert
de Perto
e Favela
Rising, para citar dois exemplos
recentes. Marcelo
Yuka no Caminho das Setas
toma um caminho relativamente
distinto a partir do encontro de um personagem e uma documentarista
não
dispostos a apresentar um discurso pronto para o conforto do
espectador.
Yuka, ex-baterista da banda O Rappa e
ativista
contra a violência nos dois lados da trincheira urbana, foi
vítima
irônica de um incidente de rua em 2000, quando levou nove
tiros e
se tornou cadeirante. Daniela Broitman começou a
filmá-lo
quatro anos depois, embora tenha “reconstituído” o período
anterior com ajuda de materiais alheios. Com sua câmera, registrou
momentos cruciais da fisioterapia, acompanhou a preparação do
primeiro
disco solo, documentou as palestras de Yuka – inclusive para
presidiários culpados de crimes como o que o vitimou. Testemunhou,
enfim,
as sutis transformações que encaminharam o compositor para
certa
espiritualidade, mas principalmente a resiliência que faz seu
discurso
permanecer o mesmo depois de tanta dor.
A dor é uma constante na vida de Marcelo há 11 anos,
mas
ele rejeita os olhares de piedade e a posição de vítima ou
herói. O filme o atende dignamente, mostrando o processo de
reabilitação e o pensamento de Yuka em toda a sua complexidade. Suas
conversas com Daniela e suas relações com os pais diante da
câmera
são extremamente reveladoras, às vezes difíceis mesmo. Dão a justa
medida
de quanto um documentário pode ser penetrante sem trair os princípios
de
quem está na mira das lentes. Trabalhos excelentes de câmera no
improviso
e a montagem sempre criativa de Jordana Berg completam a
qualidade
de enfoque da direção. Daniela fez a proeza de “reabrir” o
filme
para incluir cenas de Yuka no Rock in Rio. Elas somam à
dialética de metamorfose/permanência do artista ao longo desses últimos
anos.
Daniela
Broitman vinha de um doc mais singelo sobre lideranças
comunitárias, Meu
Brasil.
Este tour
de force na fronteira entre o
entretenimento, a consciência social e o drama individual prova sua
capacidade de encarar desafios maiores.
Leia Carlos Alberto Mattos
em
www.carmattos.com