3 de novembro de 2011

‘A guerra é agora’

O cinema, enfim, teve a coragem de explorar as ramificações da guerra.


Não se faz mais filme como antigamente. Quantas vezes você já ouviu essa expressão? Talvez ela realmente sirva para classificar diversos gêneros. Veja o suspense, por exemplo. Alfred Hitchcock foi ‘o mestre’. Já morreu, infelizmente. Aí você lembra de “O Silêncio dos Inocentes (1991). Mas eu digo que o filme de Jonathan Demme é exceção. Não regra. Terror? Bom, revire o baú de sua memória só um pouquinho e chegue ao denominador comum que indica a falta de grandes exemplares como “O Exorcista (1973), “A Profecia (1976) ou “O Iluminado (1980) nos dias de hoje. “O Sexto Sentido (1999)? Apenas exceção.

Comédia? Claro, temos algumas boas. Entre elas “Se Beber, Não Case (2009), “O Virgem de 40 Anos (2005) e “Superbad (2007). Mas resgate o passado e coloque na mesa títulos como “Quanto Mais Quente Melhor (1959). Sensação estranha, não? Se ainda considerarmos as comédias românticas, há um abismo no tempo separando as produções de qualidade, como “Bonequinha de Luxo (1961). Acho que nem preciso tocar nos exemplos de musicais e faroestes, não? Há exceções, claro, mas esses gêneros estão definitivamente no passado. Se pensarmos em subgêneros, como os ‘filmes de máfia’, lembramos logo de “O Poderoso Chefão (1972). Alguém quer dizer alguma coisa? Não? Ok, vamos continuar.
Ainda  pra conversar sobre ficção científica, afinal temos contribuições recentes de cineastas visionários que valem discussões sobre o tratamento atual dado ao gênero e seu futuro. Mas se olharmos para trás, enxergando filmes como “2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) e “Planeta dos Macacos (1968), a coisa fica feia. Pelo menos, generalizando. O drama permanece forte, é verdade. Mas alguns pensam que só existem dois gêneros: a comédia e o drama. O resto seria variação desses gêneros. Eu já acho que o certo é não rotular. Mas quem gosta de cinema mais cedo ou mais tarde acaba fazendo listas sobre os melhores westerns, os melhores filmes de terror e por aí vai. É divertido, estimula discussões e aprimora os nossos conhecimentos.
Voltando ao assunto, há um gênero, no entanto, que é exceção, vivendo seu grande momento nos últimos 30 anos. São os filmes de guerra. Como a paz mundial é utopia, a humanidade está sempre se envolvendo em conflitos que enriquecem nações, deixam outras sem nada, fazem pais e mães chorarem e contam cadáveres nos campos de batalha. Tudo isso inspira o cinema. E Hollywood não vai parar. Seja para fazer apologia ao governo, seja para refletir sobre o momento, seja para criticar.
Lógico que existem filmes eternos da gloriosa era de ouro do cinemão, como “Glória Feita de Sangue (1957), “O Mais Longo dos Dias (1962) e “Patton (1970). Mas a guerra em Hollywood é agora. Na verdade, desde 1978 e 1979, quando Michael Cimino fez “O Franco-Atirador e Francis Ford Coppola nos deu “Apocalypse Now. Desde então, cineastas, produtores e roteiristas perceberam finalmente que era possível ser criativo dentro do gênero - desde que a guerra não fosse bonitademasiadamente heróica de se verpara estimular os jovens americanos a defender seus países em território inimigo.
Coppola e Cimino abriram caminho para “Platoon, de Oliver Stone. Foi disparado o melhor filme de 1986, ganhando merecidamente os Oscars de Melhor Filme e Melhor Direção. Pode ter envelhecido tecnicamente, mas “Platoon é muito íntimo e intenso. Com Charlie Sheen, embarcamos no horror de uma guerra até então revista nos filmes americanos com um heroísmo fictício representado por personagens como Rambo, que praticamente ganhou sozinho o conflito que os EUA perdeu. Em “Platoon”, não existem mocinhos nem bandidos, apenas homens fazendo suas próprias regras no campo de batalha - alguns assumindo a loucura da guerraoutros tentando voltar vivos para casa. Outro exemplo é “Nascido Para Matar (1987), de Stanley Kubrick, que veio ao mundo um ano depois, mas sem o reconhecimento da Academia.
cinema, enfim, teve a coragem de explorar as ramificações da guerra. Seja do Vietnã. Seja a Segunda Guerra Mundial, que, ironicamente, ainda tinha muito assunto para ser discutido na telona - prova de que Hollywood ainda não havia explorado o gênero com intensidade. É o caso do holocausto, por exemplo. Steven Spielberg lavou a alma com seu “A Lista de Schindler (1993), assim como Roman Polanski em “O Pianista (2002). Está certo que às vezes é preciso deixar o tempo passar. Talvez Oliver Stone tenha levado alguns anos para compreender o que houve no Vietnã até lançar “Platoon”. Talvez Spielberg não se sentisse suficientemente maduro para filmar A Lista de Schindler logo após “E.T. - O Extraterrestre”, de 1982.
próprio Spielberg foi decisivo para jogar o gênero no futuro, com o seu “O Resgate do Soldado Ryan (1998), que foi copiado, homenageado ou seja lá o que for no modo de segurar a câmera na mão na hora da ação. Assim como na montagem, na fotografia, que parece ter derramado café em cima do filme rodado. Virou tendência, que pode ser notada em “Falcão Negro em Perigo (2001), de Ridley Scott, e até mesmo em “Guerra ao Terror” (2008), de Kathryn Bigelow. A primeira mulher a ganhar o Oscar de melhor direção tem papel importante nessa história. Fez Hollywood finalmente olhar para o recente conflito no Oriente Médio, deixando pra trás outra guerra que deixou feridas incuráveis nos EUAa do Vietnã. “Guerra ao Terror foi Kathryn Bigelow dizendo “Ei, temos uma guerra acontecendo aqui e agoraVocês não perceberam?’.
Os grandes longas do passado devem ser reconhecidos, mas a guerra em Hollywood é agora. Os melhores filmes do gênero são os contemporâneos. Com “Além da Linha Vermelha (1998), de Terrence Malick, além de “A Conquista da Honra (2006) e “Cartas de Iwo Jima (2006), ambos de Clint Eastwood, entre eles. Pode ser que em 20 anos, a gente olhe para trás e note que a onda de maturidade e sua consequente qualidade termine com Kathryn Bigelow. Mas vamos dar tempo ao tempo.
indústria deveria é olhar com mais atenção para os atuais filmes de guerra e se animar para injetar criatividade nos outros gêneros, resgatando assim a era dos musicais e dos faroestes, sem remakes. Ou dos grandes suspenses. Ou dos filmes que realmente metem medo na gente. Seria um novo começo.

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