5 de dezembro de 2012

Marcelo Yuka no Caminho das Setas


Marcelo Yuka no Caminho das Setas
Tour de force na fronteira entre o entretenimento, a consciência social e o drama individual.
C&N
Documentários a respeito de sobreviventes costumam se pautar pelo elogio à superação, numa ótica edificante, principalmente quando se trata de artistas. Assim eram Herbert de Perto e Favela Rising, para citar dois exemplos recentes. Marcelo Yuka no Caminho das Setas toma um caminho relativamente distinto a partir do encontro de um personagem e uma documentarista não dispostos a apresentar um discurso pronto para o conforto do espectador.
Yuka, ex-baterista da banda O Rappa e ativista contra a violência nos dois lados da trincheira urbana, foi vítima irônica de um incidente de rua em 2000, quando levou nove tiros e se tornou cadeirante. Daniela Broitman começou a filmá-lo quatro anos depois, embora tenha “reconstituído” o período anterior com ajuda de materiais alheios. Com sua câmera, registrou momentos cruciais da fisioterapia, acompanhou a preparação do primeiro disco solo, documentou as palestras de Yuka – inclusive para presidiários culpados de crimes como o que o vitimou. Testemunhou, enfim, as sutis transformações que encaminharam o compositor para certa espiritualidade, mas principalmente a resiliência que faz seu discurso permanecer o mesmo depois de tanta dor.
A dor é uma constante na vida de Marcelo há 11 anos, mas ele rejeita os olhares de piedade e a posição de vítima ou herói. O filme o atende dignamente, mostrando o processo de reabilitação e o pensamento de Yuka em toda a sua complexidade. Suas conversas com Daniela e suas relações com os pais diante da câmera são extremamente reveladoras, às vezes difíceis mesmo. Dão a justa medida de quanto um documentário pode ser penetrante sem trair os princípios de quem está na mira das lentes. Trabalhos excelentes de câmera no improviso e a montagem sempre criativa de Jordana Berg completam a qualidade de enfoque da direção. Daniela fez a proeza de “reabrir” o filme para incluir cenas de Yuka no Rock in Rio. Elas somam à dialética de metamorfose/permanência do artista ao longo desses últimos anos.
Daniela Broitman vinha de um doc mais singelo sobre lideranças comunitárias, Meu Brasil. Este tour de force na fronteira entre o entretenimento, a consciência social e o drama individual prova sua capacidade de encarar desafios maiores.
Leia Carlos Alberto Mattos em www.carmattos.com

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