A língua de Hermila
O filme -
Era uma Vez Eu,
Verônica - tenta falar várias
línguas
alternadamente.
C&N
Hermila
Guedes
beija muito e muitos em Era uma Vez Eu,
Verônica. A língua da atriz é vista em ação a cada 10 ou
15
minutos, pois ela vive uma jovem psiquiatra cheia de tesão. O beijo
de
língua no cinema ultimamente é um evento explícito, uma espécie de prova
documental de que a coisa é “pra valer”. Os beijantes devem expor
a
língua, introduzi-la um pouquinho na boca do parceiro, lamber a língua do
outro,
passá-la pelo rosto, pescoço, mamilos. A língua de Hermila não tem sossego
no
filme de Marcelo Gomes.
Mas a Dra.
Verônica,
recém-formada e em seu primeiro emprego como residente num
hospital
popular de Recife, tem dificuldade para usar a língua em outras
situações.
Com os pacientes que narram seus sintomas, Verônica fica estatelada,
quase não consegue dar uma palavra. Vive a crise da passagem da teoria
para a
prática. Só consegue falar com um gravador, que faz as vezes (o
ouvido) do seu terapeuta. Verônica se vê tão paciente quanto seus
pacientes, que não conseguem expressar com precisão o que sentem.
Verônica não
consegue
estabelecer laços afetivos, embora tenha a libido a mil. Sabe falar a
língua do sexo, mas não a língua do romance. A crise parece aumentar
seu
desejo sexual. Mas o afeto é como se estivesse inteiramente
consumido pelos cuidados com o pai idoso e doente (W. J. Solha).
Pensa em ser cantora, mas talvez essa não seja tampouco a sua língua.
Verônica é aquele tipo de personagem pelo qual ou você se
interessa sem compreender, ou larga pelo caminho por não falar a mesma
língua que ela. Nisso vai pesar muito a sua apreciação dos encantos e do
talento
de Hermila, assim como da fotografia caliente de Mauro Pinheiro
Jr.
Outro
tanto vai depender do
pacto
difícil proposto por Marcelo Gomes. O filme tenta falar
várias
línguas alternadamente. Ora é um drama naturalista sobre o
cotidiano
familiar e profissional de Verônica, ora é um devaneio poético
inspirado
pela imaginação da moça; ora tangencia um comentário sobre a
verticalização da orla recifense, nos moldes de outros filmes
pernambucanos recentes, ora se entrega à dissipação das noites de
música
e sensualidade. Esses diversos idiomas parecem estar ali mais por um desejo
do
roteirista-diretor do que por emanar da natureza dos personagens.
Saltamos
bruscamente de um para o outro, em vez de passarmos por canais mais
sutis e
convincentes.
Como
retrato feminino,
Verônica acaba sendo uma pequena babel de
intenções
que se comunica melhor quando Hermila usa sua língua em
silêncio.
Era Uma Vez Eu,
Verônica (Brasil /
França
- 2012 - 91’) Direção:
Marcelo Gomes Com: Hermila Guedes, W.J.
Solha Distribuição: Imovision
Leia Carlos Alberto Mattos
em www.carmattos.com
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