27 de novembro de 2012

Mary Martin, a mãe de J.R. Erwing


Mary Martin, a mãe de J.R. Erwing
Às vezes eu acho que eu trai minha família e meus amigos mais próximos, dando ao público tanto do amor que eu poderia ter dado a eles. Mas essa é a forma como fui feita, eu realmente não acho que eu conseguiria evitar. - Mary Martin
C&N
Na última sexta-feira, 23 de novembro, faleceu Larry Hagman, famoso por seus papeis icônicos do simpático amo e Major Tony Nelson em Jeannie é um Gênio e o inescrupuloso J.R. Ewing em Dallas. O que pouca gente sabe é que ele era filho de uma das lendas da Broadway, Mary Martin.
Mary Martin foi uma das mais amadas estrelas da Broadway, brilhando e sendo adorada pelo seu público por quase quarenta anos. Ela nunca teve performances arrebatadoras como cantora ou foi uma força da natureza como Ethel Merman, sua contemporânea e única verdadeira rival para o título de deusa dos musicais, porém ela superava Merman em versatilidade, saltando facilmente de papéis – uma freira aqui, depois um garoto que não queria crescer, uma deusa romana acolá, daí uma enfermeira do exército. Não importa o papel que fizesse, ela sempre, sempre imbuía suas atuações com sua própria e inefável marca de charme e timidez, humildade texana, como se cada plateia de mil e duzentas pessoas tivesse surgido para uma festa surpresa de aniversário, para cada uma de suas oito apresentações por semana, e ela tivesse um show para realizar para eles. Seu estilo era intimista e às vezes dava a impressão de fragilidade, e sua voz doce, adorável, escorregadia como mel, mas de qualquer forma ela era uma grande intérprete.
Mary Martin nasceu em 1º de dezembro de 1913 – portanto, estaremos comemorando seu centenário no ano que vem – e estreou nos palcos aos cinco anos de idade. Embora ela seja mais lembrada por seus papeis “para toda a família” e sua bondade jovial, ela começou a carreira fazendo o gênero da mocinha sexy, sensual e manhosa. Após sua performance, que a tornou uma estrela da noite para o dia, de My Heart Belongs to Daddy, no show Leave It to Me (1938) de Cole Porter, ela teve seu primeiro papel principal em One Touch of Venus (1943). Martin recusou uma quota de bons papeis (em Oklahoma!, Kiss, Me Kate, My Fair Lady, Funny Girl e Mame), e teve sua parcela de fracassos (Dancing in the Streets, Pacific 1860, de Nöel Coward, em Londres e Jeannie), mas quando ela acertou, meu Deus!, ela nos presenteou com Nellie Forbush (em South Pacific, 1949), Peter Pan (1954) e Maria Von Trapp (em A Noviça Rebelde, 1959), qualquer um deles suficiente para garantir seu lugar como uma das maiores de todos os tempos.
Sua biografia intitulou-se My Heart Belongs onde ela narra que a coisa mais fabulosa que aconteceu a ela no show business foi o papel da enfermeira Nellie Forbush em seu traje honney bun de marinheiro, um ícone singular se toda a Broadway pudesse ser resumida em um só. Por este papel ela ganhou um Tony, e outros dois por A Noviça Rebelde (assista aqui seu discurso de aceitação) e Peter Pan.
Mary teve uma participação importante no cinema. Ela foi contratada pela Paramount e fez filmes com Bing Crosby (Sinfonia Bárbara, 1941; O Rei das Melodias, 1940), mas nunca pegou, nunca chegou a ser uma estrela das telas e isso foi um problema, porque Ethel Merman passaria pela mesma situação, mas retornaria depois, com mais idade – em Deu a Louca no Mundo (1963), por exemplo - mas não Mary. Na TV ela também seria presença constante ou como convidada de shows, apresentadora do talk show Over Easy – pelo qual concorreu a dois Emmys, sendo atriz especialmente convidada de séries como em O Barco do Amor (The Show Boat), ou na recriação de musicais de sucesso para a telinha como Annie Get Your Gun (1957) repetindo justamente o papel de Ethel Merman nos palcos. Mas seu grande sucesso para a televisão foi Peter Pan (1960), onde pelo menos duas gerações de crianças americanas se divertiram com suas reprises natalinas anuais, tornando o musical numa lenda, já que não teve uma carreira espetacular na Broadway. E teve ainda o famoso show de Mary e Ethel juntas que foi recorde de audiência na época, o primeiro encontro profissional delas (ouça aqui).
Uma curiosidade é que Mary viveu no Brasil por algum tempo, já que era dona de fazendas em Goiás, mais precisamente em Anápolis, com o marido e os amigos, a também estrela Janet Gaynor e o marido Adrian (o mais famoso figurinista da Metro). Larry Hagman esteve várias vezes por aqui e manteve uma ligação com o Brasil, a que sempre elogiava.
Durante anos a Disney anunciou que estaria sendo desenvolvido um projeto baseado na adaptação de Diary of a Mad Playwright, do escritor James Kirkwood (autor de A Chorus Line), que conta as desventuras dele enquanto viajava com a peça Legend, na qual estavam duas das mais difíceis megaestrelas da Broadway: Mary Martin e Carol Channing. Especulou-se na época que para interpretá-las outras duas rivais: Bette Midler e Barbra Streisand.
Mary Martin faleceu um mês antes de completar 77 anos, em novembro de 1990, em seu rancho, na Califórnia. Um ano antes ela receberia um emocionante tributo do Kennedy Center por sua maravilhosa carreira.
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.

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