“Godspell”
“Já houve épocas em que as
garotas sonhavam em crescer e serem uma das estrelas do
Ziegfeld, ou mais tarde, Julie
Andrews. Agora elas sonham em crescer como as clowns de
Godspell”. - Ethan
Mordden
C&N
Devo confessar que Godspell é um dos meus musicais
favoritos. Quase um guilty
pleasure!
Principalmente o filme, que devo ter
assistido dezenas de vezes nos anos 1970, nas reprises do Cine Praiano, no Guarujá, onde
todos os
anos eu passava as férias de verão e inverno. Era uma época sem aparelho de
vídeo e as reprises naquele cinema, que já não existe mais, eram muito
aguardadas. Godspell, que era exibido nas
matinês, tinha uma legião de fãs, que sabiam suas músicas de cor, e
acompanhavam
junto. Acho que foi meu primeiro cult
movie. Mais tarde, em 2006, quando trouxe para o Brasil, juntamente com
o
crítico Rubens Ewald Filho, as
sessões de sing-a-long Cante-Com-a-Gente, no Teatro Folha, fiz questão de
incluí-lo. Para mim o filme traz aquilo que é o inconsciente coletivo de um
musical: um monte de gente jovem e alegre, cantando e dançando pelas ruas
desertas de uma cidade.
A
peça propriamente dita eu só
assistiria
nos anos 1980, em San Diego, numa produção que viajava pelos Estados
Unidos. Desde então tive a chance de assistir quase todos os revivals sendo que, para mim, um em
especial foi inesquecível. Em agosto de 1988, assisti a remontagem
Off-Broadway
no Lamb’s Theater. O curioso é
que
era um teatro localizado no terceiro andar de uma igreja em estilo
neo-georgiano, na Rua 44, a Manhattan
Church of the Nazarene; e hoje dá lugar ao hotel The Chatwal. O
que a
torna especial para mim, é que a assisti ao lado de uma pessoa que, mais
tarde,
descobri ser o próprio compositor do musical, Stephen Schwartz.
Godspell
veio
na esteira de vários musicais dos anos 1970 baseados na Bíblia: Two
by Two, em 1970 (a Arca de Noé),
José e Seu Manto Technicolor, em 1976, e o Evangelho de
Matheus servindo de origem para Godspell e Jesus Cristo Superstar, em 1971,
e
Your Arms Too Short to Box With God, em 1976.
O
musical conta de forma imaginativa os
últimos sete dias da vida de Jesus, que aparece maquiado como
clown e vestido com uma camiseta com o “S” de
Superman. Seus discípulos vestem-se como bonecas Emília ou crianças hippies, e as
parábolas como "O Filho
Pródigo" e "O Bom
Samaritano" são atuadas de maneira brincalhona e contemporânea. O
musical foi apresentado durante três meses num teatro no Greenwich Village, após ser
mostrado
como um não-musical, enquanto um workshop era produzido pelo Café La MaMa. Depois do
Village
foi para o Promenade (o
único
teatro que, apesar de ser “na” Broadway, é considerado “off”), perfazendo
2124
apresentações em cinco anos, o que o torna o 4º musical de maior duração
Off-Broadway. A estreia oficial do show “on” Broadway,
teve
lugar em junho de 1976, no Broadhurst, onde correu por
527
representações. O musical, que estreou em maio de 1971, no Cherry Lane Theatre, acabou
fazendo 2651 performances no total, além de ter, ao mesmo tempo, sete
companhias
viajando pelos Estados Unidos.
Godspell,
com
música e novas letras de Stephen
Schwartz e libreto de John-Michael
Tebelack foi por muitos anos perene nas montagens amadoras, escolares e
regionais norte-americanas. A simplicidade do show, com canções
maravilhosamente melodiosas possuem uma inevitabilidade que as fazem soar
como
se fossem velhas amigas mesmo se escutadas pela primeira vez. O elenco da
primeira montagem, que pode ser ouvido no CD Original Off-Broadway Cast, 1971 (Bell-Arista) é vigoroso e
chega a
ser surpreendente que nenhum deles tenha feito uma carreira musical
significativa depois. Stephen
Natan
canta o papel de Jesus
com
uma voz estranhamente enfumaçada, porém atraente, e David Haskell está excelente como
Judas/João Batista. A
adorável
gravação de Robin Lamont para
“Day by Day”
a
transformou num sucesso popular. O único senão é Lamar Alford que canta o glorioso
hino
“All Good Gifts”
com um tom gutural que alguns ouvintes poderão achar fora de propósito.
Outra
bela canção é “By My Side”,
que não foi escrita por Stephen
Schwartz, mas por Peggy
Gordon,
membro do elenco, em parceria com Jay
Hamburguer.
Com vários cantores
originais do palco, e a orquestra acrescida de sopros e cordas, a gravação
da Trilha Sonora, 1973 (Bell-Arista) soa muito como a
gravação do elenco Off-Broadway, com algumas diferenças notáveis: como Jesus, Victor Garber (o “vilão” do filme
Titanic) tem uma voz mais doce
do
que a de Stephen Natan. Lynn Thigpen canta “Bless the Lord My
Soul” com um estilo gospel mais autêntico
que
Joanne Jonas e o lírico “All God Gifts” de Merrell Jackson melhora
significativamente aquela cantada por Lamar Alford. Uma nova canção foi
incluída: a alegre “Beautiful City”.
Tendo como cenário as ruas desertas de Manhattan e seus pontos mais
conhecidos,
o filme chamou-se no Brasil Godspell, a Esperança e para
alguns
pode se tornar um pouco difícil de assistir em DVD (Sony Pictures) porque o
filme exibe com destaque o World Trade Center tanto na sua abertura como no
número “All for the
Best”. Mas este CD é certamente um prazer
de se
ouvir.
Estrelada por
Hunter Parrish (Weeds) a última remontagem de Godspell na Broadway encerrou a temporada em
janeiro de 2012 e foi indicada ao Tony
de melhor revival (assista a
apresentação no Tony aqui).
Das três
montagens
de Godspell que já foram realizadas
no
Brasil, só tive a oportunidade de assistir a de 2002, no antigo Teatro Jardel Filho, agora Brigadeiro. Deve ter sido a
produção
mais espetacular já feita para este musical, com cenários,
figurinos e visagismo de encher os olhos. O grande problema da
montagem era justamente o próprio produtor dela: Miguel Falabella. Seja nas versões
ruins feitas para as canções, onde muitas vezes não se obedecia nem à
métrica,
nem às tônicas e se alterava completamente o sentido de uma letra para
encaixar
uma rima – como, por exemplo, em “Beautiful City” / “A Nova
Civilização” (confira aqui esta e
demais versões) –, ou quando ele fazia o papel de Judas, no melhor estilo Caco Antibes. Mas o resto do elenco
era
um luxo com atores que são hoje nomes de destaque do teatro musical
brasileiro: Sara Sarres, Fred Silveira, Paula Capovilla, Amanda Acosta, Gottsha e Kacau Gomes, entre
outros.
A
primeira montagem brasileira, em
1973,
teve Antônio Fagundes no papel
de Jesus e Ayrton Salvanini interpretando Judas. Em 1974, tivemos uma
remontagem
dirigida por Altair Lima,
tentando
repetir o sucesso que tivera alguns anos antes com Hair. Deste elenco participaram
nomes hoje famosos como Wolf
Maia,
Zezé Motta, Lucélia Santos e Kadu Moliterno. A grande atração
foi
que o musical era apresentado num circo erguido em Botafogo.
Também dentro de um circo, só que desta vez na Gávea, em 1983, tivemos mais
uma
montagem carioca e como protagonista estava Fernando Eiras, com direção musical
do
maestro Marcos Leite.
Com uma direção criativa de Kleber di
Lázzare, boa versão das músicas de Gilvan Gomes e tradução do libreto
de
Luciana Garcia, Godspell – O Musical estreou no
último dia 3 de agosto, no Teatro Commune, em São
Paulo.
Numa época onde produções milionárias é a regra no cenário musical
brasileiro, esta montagem vem com uma proposta mais simples de tornar
Godspell mais contemporâneo e
mais
perto da realidade brasileira, num teatro de 83 lugares e uma
orquestra de quatro músicos. Aqui, por exemplo, Jesus veste a Camisa 10 da
seleção brasileira no lugar da camisa de Superman e a
parábola de "O Filho
Pródigo"
é toda em “baianês”.
O elenco jovem
e
entusiasmado é formado pelos atores Arthur Berges (Judas/João Batista),
Carlos Sanmartin, Guilherme Lazary e Pier Marchi recém-saídos de Um
Violinista no Telhado, Mariana Elisabetsky (da
montagem de
1992 de Um Violinista no Telhado, vista
recentemente em Meu Amigo, Charlie Brown) além
dos
talentos de Janaína Lince (Hair), Aline Leite, Anna Toledo, Davi Tápias, Igor Miranda (Jesus), Louise Helene Schlemm, e Renata Versolato. Eles primeiro
protagonizam imagens de personagens urbanos que a sociedade
considera outsiders contemporâneos como o sem teto, a
prostituta, o menor abandonado, a drag queen, o drogado, o executivo
estressado
etc..., para depois se transformarem em discípulos felizes, cheios de
cor
e vida, e virtudes. É um elenco tão homogêneo e bom que seria
uma
injustiça destacar uns e outros não. A sensação que temos é que o próprio
elenco teve uma grande participação na montagem, ajudando a
criar
os próprios figurinos, personagens e até algumas falas. As únicas
ressalvas que faço são quanto à microfonia que falhou em
vários momentos e à direção vocal que precisa ainda de alguns
acertos na parte coral.
Extraído de
várias
tradições teatrais, como o clowning,
a pantomima, a mímica, marionetes, acrobacias e
vaudeville, Godspell foi um reflexo inovador
e
único ao se contar uma história, com uma mensagem de tolerância,
bondade
e amor.
Godspell
foi um
dos melhores e seminais musicais de rock do final dos anos 1960 e
início
dos 1970, e ainda hoje desperta emoções quando montado.
Amigo
leitor, a partir da próxima semana estarei em férias, devendo retornar com
muitas novidades.
Cláudio Erlichman
é
publicitário
e produtor
cultural.
Godspell
Onde: Teatro
Commune –
Rua da Consolação, 1218 – Consolação Tel. (11) 3476-0792
Quando: 6ª 21h30, Sáb. 21h e
Dom.
20h Até 30 de
setembro
Quanto: R$ 50 e R$
25
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