‘‘Trilogia da Incomunicabilidade”
Caixa com DVDs expõe o
consagrado estilo de Michelangelo Antonioni
C&N
O chamado cinema de
autor não seria o mesmo e nem
teria
obtido maior visibilidade sem Michelangelo Antonioni (1912-2007).
Assim
como Ingmar Bergman (que, coincidentemente, morreu na mesma ocasião),
ele
tem um lugar garantido na História do Cinema por construir uma obra
bem
pessoal, sem concessões aparentes, voltada para questionamentos
existenciais. Mas enquanto o cineasta sueco mostrou-se menos preso a
fórmulas e gêneros, sem temor de emocionar, já o diretor italiano era
mais frio, exclusivamente fiel ao drama e ao tema da
incomunicabilidade. Isso fica patente para quem tenha tido a
oportunidade
de assistir toda ou parte da sua filmografia de longas de ficção (17
títulos).
Tal
evidência se faz presente nesta “Trilogia da
Incomunicabilidade”,
um pacote com DVDs de três filmes marcantes do realizador: “A Aventura”
(“L´Aventura”), “A Noite” (“La Notte”)
e
“O Eclipse”
(“L´Eclisse”).
Todos feitos seguidamente entre 1960 e 1962, e com
personagens que, de uma maneira ou de outra, dão a impressão que
caminham
para um tédio definitivo. Essa percepção parecia existir no próprio
Antonioni, durante os dias em que permaneceu no IVº Festival
Internacional de Teerã, em 1975, onde eu também estava. Por
aparentar certo desdém e a sensação de entediado, alguns
brasileiros mais debochados se referiam a ele como o “seu noia”
(tédio em italiano).
A sua
consciência
do tédio se faz presente verbal e visualmente em “A Aventura”. É, dos três
longas,
aquele que tem uma trama mais armada, embora inconclusiva. Esse
aspecto
de seu epílogo pode ter sido a razão da vaia que surgiu ao final da
projeção no Festival de Cannes em 1960, onde acabou ganhando
um
prêmio do júri. O curioso é que, dois anos depois, na tradicional pesquisa
da
revista inglesa Sight &
Sound para apontar os melhores filmes de todos os tempos, essa
criação
classificou-se em segundo lugar (hoje está em 21º).
“Ufa, que
noia”
é a expressão usada por uma das personagens do enredo que se desenrola, em
boa
parte, durante uma excursão de iate por algumas ilhas do litoral
italiano. Ao desembarcarem em uma delas, o grupo de ricos passageiros
percebe o desaparecimento de Anna (Lea Massari). As
buscas
não encontram nenhum vestígio e nem explicação para o que
ocorreu.
Só que o sumiço da milionária deixa de ser enfocado para dar vez ao
romance que passa a rolar entre Sandro (Gabrielle
Ferzetti), amante de Anna, e Claudia (Monica
Vitti),
amiga dela. Essa mudança brusca causa certa estranheza, mas permite a
Antonioni expor a incomunicabilidade em uma narrativa
lenta
e de plasticidade geométrica. Tal visual acentua a tristeza, o
desencanto.
“A Noite” também tem esse
clima,
mas é mais vibrante, oferece seres humanos que lutam com mais garra
para
demolir esse distanciamento entre pessoas que se amam. Se o
filme
é mais quente, isso se deve a atuação de Marcello Mastroianni e
Jeanne
Moreau, dois dos maiores intérpretes de toda a história do Cinema. Eles
dão
vida ao casal Giovanni e Lidia Pontanno.
Inicialmente, vão a um hospital visitar o amigo Tomaso Garani
(o
alemão Bernhard Wicki, diretor do laureado “A Ponte”), escritor como
Giovanni, que tem doença terminal. Depois, enfrentam o
lançamento
de um livro de Giovanni e terminam numa grande
festa
onde o protagonista se sente atraído pela rica Valentina
(Monica
Vitti).
Premiada com o Urso de Ouro
do
Festival de Berlim, esta jornada noite adentro passa por
situações
mais vitais ao ser humano: iminência da morte, sucesso,
desejo
sexual e aquele comportamento algo estereotipado dos ricos que já estava
em
“A Aventura”. Mesmo com
essa
repetição de condutas, o rumo dado ao casal Pontanno tem mais
paixão. E é esse desespero para fazer renascê-la, para escapar do
tédio
que costuma sufocar um casamento, que torna o longa, o melhor
dos
três.
Laureado com um prêmio especial do
júri do Festival de Cannes, “O Eclipse” é a deliberada
conclusão dessa trilogia. Novamente, Antonioni
centraliza-se em um casal que busca o diálogo. No caso,
Vittoria
(Monica Vitti), que sai de uma relação amorosa e entra em outra. Agora com
Piero (Alain Delon), um ambicioso operador da bolsa de
valores.
Mais apurado no visual, tirando bom partido de Roma e, outra
vez
mostrando os seus protagonistas em ruas vazias, o diretor reafirma o
seu
pessimismo. No seu neorrealismo interior, o enfado e a
atração carnal alheia destroem o amor. Mesmo entre pessoas dotadas de
cultura e informação, ele acaba sendo transitório e até
amargo.
Em preto e
branco,
os
três DVDs da “Trilogia da
Incomunicabilidade” trazem muitos extras que ajudam a
compreender
o peculiar universo de Antonioni. Em especial, uma entrevista
com
ele e um depoimento de sua musa outrora amada, Monica Vitti. Trata-se
de
um cinema difícil, com soluções fílmicas que hoje ressoam
envelhecidas por terem sido imitadas a exaustão
posteriormente.
Mas o pacote demonstra esplendidamente a relevância e a
coerência
desse realizador que, com beleza, engrandeceu o cinema da
alma.
Alfredo
Sternheim é
cineasta,
jornalista e
escritor
“A Aventura” (“L´Avventura” – Itália/França - 1960 - 143’) Direção:
Michelangelo Antonioni Com:
Gabrielle Ferzetti, Lea Massari, Monica Vitti,, Dominic Blanchard, Renzo
Ricci,
entre outros.
DVD:
Menu interativo - Seleção de cenas Tela:
Fullscreen (1.77.1)
Áudio:
Dolby Digital (2.0) Idioma:
Italiano Legenda:
português Extras: Antonioni: Documentos e testemunhos / Entrevista com
Antonioni / Depoimento de Monica Vitti
“A Noite” (“La
Notte” - Itália/França - 1961 -118´ ) Direção: Michelangelo Antonioni Com: Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Monica
Vitti, Bernhard Wicki, Maria Piu Luzi, Rosy Mazzacurati , Vincenzo
Corbella,
entre outros.
DVD:
Menu interativo - Seleção de cenas Tela:
Fullscreen (1.66.1)
Áudio:
Dolby Digital (2.0) Idioma:
italiano Legenda:
português Extras: Trailers /
Cinejornais
da época
“O Eclipse” (“L´Eclisse” – Itália/França -
1962 - 126’) Direção:
Michelangelo Antonioni Com:
Alain Delon, Monica Vitti, Francisco Rabal, Lilla Brignone, Louis Seigner,
Rosana Rory,
entre outros.
DVD:
Menu interativo - Seleção de cenas Tela:
Fullscreen (1.85:1)
Áudio:
Dolby Digital (2.0) Idioma:
italiano Legenda:
português Extras: A Trilogia da Incomunicabilidade / Uma palavra do
diretor / “O Eclipse” em Cannes / Biografias
Distribuição: Versátil Home Vídeo
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