Quem tem medo do
teatro?
O cinema brasileiro perdeu
o
medo do teatro.
C&N
Quem
assistiu ao espetáculo
Júlia,
de Christiane Jatahy, por vezes não sabia bem se estava
vendo
uma peça ou um filme. Os atores saíam da tela para o palco e
vice-versa, contracenavam entre um e outro “espaço”, tinham seus
gestos ampliados na projeção. Júlia
em breve vai virar filme de cinema, assim como a diretora
fez
com sua peça A
Falta que nos Move. Essa mobilidade da cena contemporânea se
estende a inúmeros filmes, DVDs e programas de televisão que estão propondo
novos diálogos com o que se passa nos palcos. Não seria impróprio
dizer
que o cinema brasileiro perdeu o medo do teatro.
Um medo
que, na verdade, sempre
conviveu
com uma irresistível atração. Desde os tempos do silencioso, as peças
teatrais carreavam para o cinema certa marca de nobreza, além do talento dos
intérpretes. Mais tarde, essa prática seria estigmatizada na medida em que o
cinema, para se afirmar como arte autônoma, precisava desassociar-se do
teatro.
A expressão “teatro filmado” virou sinônimo de mau
filme.
Isso não
impediu
que
as duas artes continuassem seu namoro mais ou menos dissimulado. As relações
entre as chanchadas e o teatro de revista são mais do que
conhecidas, assim como os vínculos entre o venerando Teatro Brasileiro
de
Comédia e a Vera Cruz. O Cinema Novo,
por
sua vez, flertou com o teatro épico de Brecht e as experiências do
Arena e do Oficina. As adaptações de peças
sofreram
um refluxo nos últimos tempos, mas nunca saíram totalmente de cartaz, como
provam alguns sucessos de Daniel Filho (A
Partilha,
A Dona da História, Tempos de Paz) e os muitos
trânsitos de Domingos Oliveira.
Mas quem está protagonizando a
conversa mais estimulante entre o cinema e o teatro são diversos
realizadores
jovens, muitos ainda com dificuldade para colocar seus trabalhos no
mercado.
Moscou,
de Eduardo Coutinho, foi um estímulo para muitos deles. Um exemplo é
Mentiras
Sinceras, longa que mergulha no processo de criação de um
espetáculo teatral e projeta o já longo trabalho do documentarista Pedro
Asbeg com o diretor de teatro Pedro Moraes e a Companhia
Armazém de Teatro. O quarteto Pretti-Parente, consagrado em
Tiradentes com Estrada
para Ythaca,
colocou suas câmeras na beira de um palco para fazer
No
Lugar Errado, seu último filme, em profunda interação com a
peça
Eutro,
de Rodrigo Fischer.
Em matéria de convivência com grupos
de
teatro, ninguém supera o hiperativo Evaldo Mocarzel. Ele tem
registrado e
recriado em seus HDs os trabalhos de cinco companhias paulistas, num
total aproximado de 20 projetos recentes ou em progresso. Versões
compactas desses vídeos, montados em chave experimental por Ava
Rocha,
ainda passam na faixa Teatro Sem Fronteiras do Canal
Brasil. Eryk Rocha, que já filmou Os
Sertões
de Zé Celso Martinez Correia, é outro cineasta envolvido
com
esse momento de efusiva integração.
O diálogo pode até assumir uma
feição
familiar, como em Testemunha
4,
que tem percorrido o circuito de festivais. Nele, Marcelo
Grabowsky segue de muito perto a atuação de sua mãe, a atriz Carla
Ribas, dentro e fora da cena durante uma maratona teatral de 24 horas
ininterruptas, dirigida por Eduardo Wotzik.
Essas várias
aproximações do cinema brasileiro contemporâneo com o teatro inspiraram a
mais
recente edição da revista Filme Cultura, dedicada ao tema. O
que
aparece de comum em todos esses filmes é o desejo de fugir ao mero
registro e buscar uma interação diferente dos velhos modelos de
adaptação
teatral. Isso envolve encarar o palco de frente e sem medo para
produzir
alguma coisa que, no fim das contas, só compete ao cinema.
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