“Valente”
Uma
das animações mais belas em termos de visual.
C&N
Valente é o 13º filme da
Pixar. E o primeiro com protagonista feminina. Mais
importante que isso é constatar que quase todas as outras produções tocam de
alguma forma no amor (ou a falta dele) entre pai e filho (ou
filha). O cinema – não só o americano – adora voltar a esse tema. Em filme
de
tudo quanto é gênero. Raro é o que Valente propõe: discutir
a
relação entre mãe e filha. Não uma, mas duas personagens femininas no
centro da ação. Se hoje a sucessão de gerações – a passagem para a vida
adulta –
preocupa eternamente os dois lados, imagine então como isso era tratado na
época
de rainhas e princesas.
Sim,
Valente é sobre uma
princesa.
Mas não uma princesa tradicional da Disney. Não temos príncipe
encantado. Não mesmo. Música? Ok. Mas nada de números musicais. Nem
bichinhos
cantando e dançando. Valente apresenta Merida
(voz
de Kelly MacDonald), talvez a primeira princesa que não se aventure por um
romance (em drama ou comédia). O grande cineasta John Ford
iria
adorar Merida. Sua personalidade indomada lembra a
Maureen O’Hara do lendário diretor de westerns. Lembra
também
uma jovem forte dos dias de hoje, um espírito selvagem
representado pelo seu cabelo ruivo, enrolado e bagunçado, um contraste e
tanto
para a esperada imagem de garota certinha. Merida quer fazer
seu
próprio destino. Não aceita que a mãe, a Rainha Elinor (voz de
Emma Thompson) de cabelo penteado e arrumadinho insista em seguir
tradições, como a de encontrar e escolher o futuro marido da filha.
Enquanto
sofre com a manipulação da mãe, Merida vê seus três
irmãos caçulas e capetas fazerem o que bem entendem, afinal são
meninos.
O único
momento
do
dia que revela a verdadeira Merida é quando ela cavalga
livremente para treinar suas habilidades com arco e flecha. Claro que
sua
mãe desaprova. E quando achamos que o filme caminha para provar suas
habilidades, talvez num torneio ou mesmo como protagonista de uma
possível batalha que poderia vir a convencer a sua mãe de que ela
pode
fazer o que quiser da vida, bem, a Pixar dá outro rumo à
história.
É aqui que você pode começar a amar ou a odiar
Valente.
Devemos admitir que embora o
filme
narrasse até a sua primeira metade as aventuras de uma princesa
“diferente”, Valente se mostrava uma animação bem
comum em termos de roteiro. E a Pixar pode mais
que
isso, pois nos acostumou com animações únicas, originais; hoje
referências de um bom e criativo cinema. Ou você já havia
visto
algum
outro filme sobre um velhinho numa casa voadora? Ou sobre um
rato que é chef de um luxuoso restaurante em
Paris?
Sem
parodiar clássicos,
como faz a DreamWorks em Shrek, a
Pixar reúne uma sucessão de influências que passam pela tela
na
velocidade da luz. Mas é possível reconhecer elementos de A Bela e a
Fera, Cachinhos Dourados, Branca de
Neve, e João e Maria. Mas (sem spoilers) a
reviravolta que acontece em sua metade periga agonizar com os
conhecimentos do que é fantasia dentro das mentes ocidentais. O que
nos
leva a maior influência da Pixar em
Valente:
as animações dos estúdios Ghibli, do mago japonês Hayao
Miyazaki – responsável por A Viagem de Chihiro,
Princesa Mononoke e outras maravilhas –, do qual John
Lasseter, cabeça da Pixar, é declaradamente
fã.
Aqueles
que
não conhecem – ou os não apaixonados pela obra de Miyazaki – vão
sofrer
um pouco para voltar para dentro da história. Mas vão voltar.
E se
pegar rindo e torcendo até o final, com um grau de
envolvimento em
que a Pixar é craque em conseguir do público. Você talvez até
se
pegue chorando, porque o roteiro vai fundo (num filme censura
livre) no desenvolvimento dramático das pendências entre mãe e
filha. Talvez Miyazaki assinasse Valente se
fosse
convidado para dirigi-lo nos EUA. No Japão, certamente teríamos um
resultado ainda mais “viajado” e ousado.
A
trama
de Valente não eleva a animação a outro patamar, mas é
interessante por ser a única que eu conheço a reunir dois desses
maiores
mundos: os estúdios Disney e Ghibli. Fascinante
por
tais elementos estarem condensados numa Escócia antiga como cenário.
Particularmente, trata-se de uma das animações mais belas em termos
de
visual e execução do que a tecnologia tem a oferecer. A
Pixar faz miséria nas combinações de cores – dê atenção ao
verde
da floresta, às sombras, ao cabelo de Merida, às luzes azuis
mágicas. Sempre a serviço da história, do cabelo de Merida às
paisagens, o realismo de algumas cenas confunde – mesmo que brevemente – o
que é
filme e o que é animação. Há um realismo extremo
principalmente quando a ‘câmera’ se afasta da ação para transmitir
grandiosidade
no sentido de preencher a tela toda; essa velha mania dos épicos do cinema.
Será
que as animações estão cada vez mais parecidas com os
filmes? Ou seria o contrário?
Isso
não importa agora. É hora de saudar Merida com seu cabelo
selvagem
e John Ford no coração. E a Pixar com suas paletas e
Hayao Miyazaki no coração.
Valente
(Brave - EUA - 2012 -
100’) Direção: Mark Andrews / Brenda Chapman / Steve Purcell Com: Kelly Macdonald, Billy Connolly, Emma
Thompson, Julie Walters, Robbie Coltrane, Kevin McKidd e Craig
Ferguson, entre outros.
Distribuição:
Walt Disney
PicturesAcesse: www.hollywoodiano.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário