O Che de cada um
Em
relação a Che Guevara, a História perdeu, e agora tudo o
que
existe é o Che de cada um.
C&N
Uma espécie de
DVD on line é o que Douglas Duarte está lançando com
seu
documentário Personal
Che, codirigido pela colombiana
Adriana Mariño.
O filme passou no Festival do Rio e em mostras
internacionais. Foi lançado no Brasil em 2008 e visto por mais de 10
mil
pessoas nos cinemas, figurando como um dos destaques da programação anual.
Depois disso, andou pelo Canal Brasil e parecia destinado a se tornar
um
cult de locadoras. Mas Douglas decidiu não esperar pelo longo
processo
que leva à edição de um DVD comercial. Nesse meio tempo, o filme já
havia
caído na rede, como peixe que merecia mesmo ser pescado.
Douglas
resolveu, então, “oficializar” a disponibilização aberta e
gratuita de Personal
Che
colocando-o no Vimeo com
qualidade decente e legendas em português, inglês e em muito breve espanhol.
A
ideia é gradualmente acrescentar os extras: entrevistas
complementares –
como a do escritor e ativista paquistanês Tariq Ali, que acabou não
entrando no filme –, faixa comentada e até mesmo o material bruto para quem
quiser se aventurar a editar o “seu” Personal
Che. Veja aqui a apresentação do
projeto e os links para o filme: Personal
Che
Na época do
lançamento, comentei uma realidade
que
Personal
Che confirma em imagens e sons:
em
relação a Che Guevara, a História perdeu, e agora tudo o que existe é
o
Che de cada um. Enquanto Walter Salles, em seu Diários
de Motocicleta, abordava o homem
antes da lenda, Douglas e Adriana fizeram a operação inversa:
deixaram de lado o homem para enfocar a imagem mítica que atravessa culturas
e
décadas sem perder o brilho.
A dupla juntou esforços e talentos para mapear o culto a
Che nos quatro cantos do mundo. O rosto belo e os cabelos revoltos do
eterno
guerrilheiro são capazes de criar elos inesperados entre uma ópera
musical em Beirute e uma passeata neonazista na
Alemanha; entre um taxista fervoroso de Havana e um
deputado rebelde de Hong Kong; entre a mitomania de um
colecionador de Los Angeles e as preces contritas de uma
camponesa boliviana.
Ao longo do
filme, Che é comparado a Cristo, ao
Papa,
a Hitler e a califas árabes. Como as rezas e o silicone, cada um o
utiliza como quer. O que restou de sua história real foi uma superfície
romântica onde cada grupo projeta seus ideais e mitificações. No
filme, as imagens do guerrilheiro são objeto de legítima devoção religiosa,
discussões renhidas e análises por intelectuais como Jorge Castañeda,
Paul Berman, David Kunzle, Christopher Hitchens e
Oliviero Toscani. De escritores a proletários, a dificuldade é a
mesma
para definir a natureza do fenômeno.
Personal
Che
tem uma estrutura que merece ser
estudada por alunos de roteiro de documentários. Conta também com um design
gráfico caprichado, que tira partido da proliferação da esfinge do
Che.
Mas, para além da qualidade técnica, o filme tem inteligência de
sobra. Os realizadores assumem uma atitude sutilmente
provocativa,
inquirindo seus personagens e criando situações ora comoventes, ora
hilariantes, mas sempre reveladoras.
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