5 de julho de 2012

“Sombras da Noite”


Sombras da Noite
Alguma coisa mudou. E, queira ou não, pra pior.
C&N
Imagino que se Tim Burton tivesse se apresentado ao cinema, ainda nos anos 1980, com Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), a história do vampiro Barnabas Collins (Johnny Depp) faria mais sentido para a época, ainda de ressaca pela louca e inconfundível década de 1970. Ou você acha que foi à toa que o cinema tocou na ferida da Guerra do Vietnã com Apocalypse Now, em 1979, Platoon, em 1986, e Nascido Para Matar, em 1987? Por outro lado, não sei se estaríamos até hoje falando de Tim Burton, de sua importância, e de sua inigualável capacidade para entrar e sair das trevas, com humor e paixão, sem jamais descambar para qualquer tentadora solução trash como espetáculo gratuito ou apostar cegamente na parte técnica acima de uma história envolvente. É o que acontece com Sombras da Noite.
O cineasta criativo que nos deu filmes únicos – Os Fantasmas Se Divertem, Edward Mãos-de Tesoura, Ed Wood -, todos impressionantes em forma e conteúdo, com visuais agindo como parte do contexto, deixando os nossos queixos no chão, enquanto nos divertíamos flertando com as coisas erradas da vida (e sem culpa), mostra em Sombras da Noite que seu universo virou pastiche do que já era pastiche. Ou as homenagens que Burton prestava aos filmes B, às gloriosas aventuras no inferno de Bela Lugosi, Peter Cushing e Vincent Price se misturaram finalmente com a tentação de homenagear a si mesmo. Ou seria culpa da falta de ideias? Até porque Burton tinha ideias próprias, obviamente baseadas em suas influências. Só que recentemente andou cedendo a refilmagens imbecis de Planeta dos Macacos e A Fantástica Fábrica de Chocolates, além de adaptações de Alice no País das Maravilhas e desta série da TV britânica, Dark Shadows, que fez sua cabeça nos anos 1960. Ou seja, alguma coisa mudou. E, queira ou não, pra pior.
Já vimos tantos filmes que é impossível não notar que muitos seguiram ou imitaram o estilo visual de Tim Burton. Somente ele não percebeu que precisa se reinventar. Se bem que Sombras da Noite começa bem. Com um prólogo inspirado, explicando a entrada de Barnabas no mundo dos vampiros. O diretor emenda com os créditos iniciais ao som que balança suavemente a cabeça pra lá e pra cá de Nights in White Satin, do Moody Blues, com um trem indo em direção não a Hogwarts, mas à mansão da família Collins. Embora traga elementos usados em toda a carreira do cineasta – a família disfuncional, o pai ausente e como lidamos com a morte -, Sombras da Noite morre com a logomarca do McDonald’s numa das primeiras piadas sem graça contadas por Burton.
Ok, 1972 deve ter sido um ano muito louco até mesmo para um vampiro secular. Mas até as tiradas, que indicam o espanto de Barnabas se adaptando à década após 200 anos de sono forçado jogam no ar certa sensação de déja vù. Um cheiro de mofo que vai impregnado o filme até a última cena.
Burton erra a mão, inclusive, no que sempre fez bem: equilibrar terror e comédia, o que é um convite sem volta para cair no ridículo. Essa confusão de gêneros se reflete num elenco “solto” pelo filme, aparentando estar sem o comando de seu diretor. Como Barnabas, Johnny Depp está dividido entre o que aprendeu vivendo tempo demais no universo particular de Tim Burton e o piloto automático módulo Jack Sparrow. Seu vampiro, vez ou outra, faz as caras e as bocas do pirata, principalmente quando está assustado. Acho bom o ator rever isso, pois fez o mesmo no desastroso O Turista.
Mas ainda assim, Depp está no núcleo ‘terror’ do filme. Já o restante do elenco atua com um eterno olhar blasé, como se estivesse em outra produção, Tudo bem que em Sombras da Noite nada é capaz de chocar as pessoas nos anos 1970. Como se todos estivessem 24 horas por dia chapados. Esse núcleo, liderado por Michelle Pfeiffer, parece estar numa comédia com uma pegada mais irônica. Exceto a vilã da história, a bruxa Angelique (Eva Green), que, pelo menos, reage e demonstra ter objetivos e desejos como nenhum outro personagem no filme. Há um abismo colossal entre as atuações de Eva Green – a única que sai ilesa – e a do restante do elenco.
Pela primeira vez também, Burton tenta deixar evidente certa vontade de expressar maturidade dentro de seus contos bizarros. Mas sua ousadia “adulta” se resume a inserir perversões sexuais que nenhum menininho tem a liberdade de gritar ao mundo, além de – vejam só que sujeito boca-suja – soltar alguns palavrões. Seguro do status que alcançou na indústria, o diretor parece se levar ainda mais a sério que em Ed Wood, o seu filme “mais sério”.
Nem precisava citar a direção de arte do filme. Há tempos é o que Tim Burton faz de melhor. Só que o exagero aqui ameaça jogar o gótico no brega. Burton, você cresceu, eu sei, e realmente não é mais o garoto de Os Fantasmas Se Divertem. Mas suas boas ideias acabaram. Chegou a hora de olhar pra frente. Com ou sem a ajuda de Johnny Depp.
Sombras da Noite (“Dark Shadows” - EUA - 2012 - 113’) Direção: Tim Burton Com: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Eva Green, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Chloë Grace Moretz, Christopher Lee e Alice Cooper, entre outros.
Distribuição: Warner Bros. Pictures

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