“Sombras da Noite”
Alguma coisa mudou. E, queira ou não, pra pior.
C&N
Imagino que se
Tim Burton tivesse se apresentado ao cinema, ainda nos anos
1980,
com Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012),
a
história do vampiro Barnabas Collins (Johnny Depp) faria mais
sentido para a época, ainda de ressaca pela louca e inconfundível década de
1970. Ou você acha que foi à toa que o cinema tocou na ferida da
Guerra do Vietnã com Apocalypse Now, em 1979,
Platoon, em 1986, e Nascido Para
Matar,
em 1987? Por outro lado, não sei se estaríamos até hoje falando de
Tim
Burton, de sua importância, e de sua inigualável capacidade para entrar e
sair
das trevas, com humor e paixão, sem jamais descambar para qualquer tentadora
solução trash como espetáculo gratuito ou apostar cegamente na
parte
técnica acima de uma história envolvente. É o que acontece com
Sombras da
Noite.
O
cineasta criativo que nos deu filmes
únicos – Os Fantasmas Se Divertem, Edward Mãos-de
Tesoura, Ed Wood -, todos impressionantes em forma
e
conteúdo, com visuais agindo como parte do contexto, deixando os nossos
queixos
no chão, enquanto nos divertíamos flertando com as coisas erradas da vida (e
sem
culpa), mostra em Sombras da Noite que seu universo virou
pastiche do que já era pastiche. Ou as homenagens que Burton prestava aos
filmes
B, às gloriosas aventuras no inferno de Bela Lugosi, Peter
Cushing
e Vincent Price se misturaram finalmente com a tentação de homenagear
a
si mesmo. Ou seria culpa da falta de ideias? Até porque Burton tinha
ideias próprias, obviamente baseadas em suas influências. Só que
recentemente
andou cedendo a refilmagens imbecis de Planeta dos Macacos e
A Fantástica Fábrica de Chocolates, além de adaptações de
Alice no País das Maravilhas e desta série da TV britânica,
Dark Shadows, que fez sua cabeça nos anos 1960. Ou
seja,
alguma coisa mudou. E, queira ou não, pra pior.
Já
vimos tantos filmes que é impossível
não
notar que muitos seguiram ou imitaram o estilo visual de Tim Burton.
Somente ele não percebeu que precisa se reinventar. Se bem que
Sombras da
Noite começa bem. Com um prólogo inspirado, explicando a entrada de
Barnabas no mundo dos vampiros. O diretor emenda com os
créditos
iniciais ao som que balança suavemente a cabeça pra lá e pra cá de
Nights in White
Satin, do Moody Blues,
com
um trem indo em direção não a Hogwarts, mas à mansão da
família
Collins. Embora traga elementos usados em toda a carreira do cineasta – a
família disfuncional, o pai ausente e como lidamos com a morte -,
Sombras
da Noite morre com a logomarca do McDonald’s numa das
primeiras piadas sem graça contadas por Burton.
Ok, 1972 deve
ter
sido um ano muito louco até mesmo para um vampiro secular. Mas até as
tiradas,
que indicam o espanto de Barnabas se adaptando à década após
200
anos de sono forçado jogam no ar certa sensação de déja vù. Um
cheiro
de mofo que vai impregnado o filme até a última cena.
Burton erra a mão,
inclusive, no que sempre fez bem: equilibrar terror e comédia, o que é um
convite sem volta para cair no ridículo. Essa confusão de gêneros se reflete
num
elenco “solto” pelo filme, aparentando estar sem o comando de seu diretor.
Como
Barnabas, Johnny Depp está dividido entre o que
aprendeu
vivendo tempo demais no universo particular de Tim Burton e o piloto
automático módulo Jack Sparrow. Seu vampiro, vez ou outra, faz
as
caras e as bocas do pirata, principalmente quando está assustado. Acho bom o
ator rever isso, pois fez o mesmo no desastroso O
Turista.
Mas ainda assim,
Depp está no núcleo ‘terror’ do filme. Já o restante do elenco
atua com um eterno olhar blasé, como se estivesse em outra
produção,
Tudo bem que em Sombras da Noite nada é capaz de chocar as
pessoas nos anos 1970. Como se todos estivessem 24 horas por dia
chapados. Esse núcleo, liderado por Michelle Pfeiffer, parece estar
numa
comédia com uma pegada mais irônica. Exceto a vilã da história, a bruxa
Angelique (Eva Green), que, pelo menos, reage e demonstra ter
objetivos e desejos como nenhum outro personagem no filme. Há um abismo
colossal
entre as atuações de Eva Green – a única que sai ilesa – e a do
restante
do elenco.
Pela primeira vez
também, Burton tenta deixar evidente certa vontade de expressar
maturidade dentro de seus contos bizarros. Mas sua ousadia “adulta” se
resume a
inserir perversões sexuais que nenhum menininho tem a liberdade de gritar ao
mundo, além de – vejam só que sujeito boca-suja – soltar alguns palavrões.
Seguro do status que alcançou na indústria, o diretor parece se levar ainda
mais
a sério que em Ed Wood, o seu filme “mais sério”.
Nem precisava citar
a direção de arte do filme. Há tempos é o que Tim Burton faz de
melhor.
Só que o exagero aqui ameaça jogar o gótico no brega. Burton, você
cresceu, eu sei, e realmente não é mais o garoto de Os Fantasmas Se
Divertem. Mas suas boas ideias acabaram. Chegou a hora de olhar pra
frente. Com ou sem a ajuda de Johnny Depp.
“Sombras da
Noite” (“Dark
Shadows” - EUA - 2012 - 113’) Direção: Tim Burton Com: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham
Carter,
Eva Green, Jackie Earle Haley, Jonny
Lee Miller, Chloë Grace Moretz,
Christopher Lee e Alice
Cooper, entre
outros.
Distribuição: Warner Bros.
Pictures
Acesse: www.hollywoodiano.com.
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