Considerações sobre o cinema
‘verde’.
Cinema e sustentabilidade.
C&N
Durante
a
Rio+20,
diversas mostras sobre cinema e sustentabilidade ocorreram no Rio de
Janeiro. Em dois debates de que participei, coloquei em discussão alguns
aspectos desse ‘cinema verde’. Resumo abaixo esses
tópicos.
A nova esquerda
Os filmes de
temática
socioambiental formam talvez a ‘nova esquerda’ do cinema, na medida
em
que repercutem temas e métodos do cinema de engajamento político dos anos
1960 e 70. Como aquele, este é um cinema feito ‘para mudar
o
mundo’ a partir da mentalidade do público.
Tal como um
cinema
pretensamente revolucionário da década de 60 do século passado, o cinema
“verde”
pode apelar às táticas do didatismo e da denúncia. São filmes que fazem um
movimento na direção de ‘onde o povo está’, indo até os confins da
Amazônia ou da África, aos lixões, às aldeias, às comunidades
mais
remotas.
As diferenças de
temas
refletem
uma certa mudança de pauta na própria esquerda – da transformação da
sociedade
pela via político-ideológico-revolucionária para a via
do
jogo democrático, da inclusão social e do cuidado com o
meio-ambiente.
A grande diferença, porém,
a
meu ver, está no ambiente econômico em que o cinema “verde” opera. Ao
contrário
dos antigos engajados, que não contavam com recursos abundantes, o cinema
“verde” é, em sua grande maioria, um cinema de altos patrocínios. Assim como
livros luxuosos e eventos de porte, muitos desses filmes são bafejados e
fomentados pela indústria, que não raro é a mesma indústria que explora e
devasta os recursos naturais. Patrocinar a cultura ‘verde’, bem como
as
organizações que a viabilizam, tornou-se um mecanismo de compensação e
dissimulação. Este é um dado contraditório com o qual o cinema ‘verde’
tem que lidar.
Estética socioambiental
O cinema da
sustentabilidade é hoje um supragênero que
abarca muitos gêneros. Mas o documentário se destaca como modalidade
dominante.
É grande o número de filmes de conteúdo pedagógico, de denúncia, de alerta
ou de
celebração de bons exemplos. Nesta categoria se enquadra, por exemplo, o
longa
Amazônia
Eterna, de Belisário Franca, lançado na mostra
Good Planet durante a Rio+20. O filme combina um
inventário
de ações exemplares na Amazônia com toques de alerta sobre os riscos
da
exploração predatória, tudo embalado em imagens belíssimas da floresta (de
Gustavo Hadba) e música envolvente (Armand Amar, de Home – Nosso Planeta, Nossa
Casa).
Se um dos
propósitos
do
cinema político do passado era adotar uma estética revolucionária para
tratar de
tema revolucionário (vide Eisenstein, Vertov, Glauber), este paralelo se
torna
impossível com o cinema ‘verde’. De maneira geral, os filmes
socioambientais têm formatos conservadores, que em certos casos se aproximam
do
filme institucional ou publicitário. São estruturas de reportagem,
entrevistas
com fundo ‘verde’, busca da bela imagem, natureza vista como
paisagem,
movimentos de câmera sedutores, trilha sonora relaxante ou sacralizante,
ritmo
fluente e ‘natural’.
Há uma
preferência
pela escala humana, com destaque igualmente para animais e plantas, sem
muitas
tomadas monumentais ou sobrehumanas, a não ser quando se trata de enfatizar
a
grandiosidade de uma floresta ou de um deserto. É muito baixa a incidência
de
efeitos sintéticos e eletrônicos. Os ‘efeitos especiais’ do cinema
‘verde’ são mecânicos ou óticos: alterações de velocidade, movimentos
de
câmera, efeitos de foco, refrações de luz, câmera subaquática ou aérea.
Amazônia
Eterna tem exemplos curiosos como uma
microcâmera
presa a uma árvore que cai ou a um arpão atirado contra um peixe. Seriam
todos
efeitos ligados a uma concepção, digamos, ‘orgânica’, não
industrializada, do cinema.
Extrativistas e sustentáveis
No âmbito do cinema socioambiental,
proponho uma separação entre filmes extrativistas e sustentáveis.
Extrativistas
seriam aqueles que apenas ‘exploram’ seus objetos: coletam
informações,
personagens e situações. Sustentáveis seriam aqueles que deixam algo em
troca,
direta ou indiretamente.
Essa
classificação
não deve ser confundida com juízo de qualidade, mas se liga à atitude do
filme
perante seus objetos e o próprio meio-ambiente. Estamira
seria um filme extrativista, embora seja melhor que
Lixo
Extraordinário, que é sustentável. Nanook, o Esquimó é extrativista; Dersu Uzala é sustentável, pois colaborou na
formação de
uma consciência ecológica. Documentários etnográficos clássicos sobre índios
são
extrativistas; os filmes da Vídeo nas Aldeias são
sustentáveis,
uma vez que retribuem aos índios com os meios para construir sua própria
imagem.
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