8 de agosto de 2012

“Godspell”


Godspell
“Já houve épocas em que as garotas sonhavam em crescer e serem uma das estrelas do Ziegfeld, ou mais tarde, Julie Andrews. Agora elas sonham em crescer como as clowns de Godspell”. - Ethan Mordden
C&N
Devo confessar que Godspell é um dos meus musicais favoritos. Quase um guilty pleasure! Principalmente o filme, que devo ter assistido dezenas de vezes nos anos 1970, nas reprises do Cine Praiano, no Guarujá, onde todos os anos eu passava as férias de verão e inverno. Era uma época sem aparelho de vídeo e as reprises naquele cinema, que já não existe mais, eram muito aguardadas. Godspell, que era exibido nas matinês, tinha uma legião de fãs, que sabiam suas músicas de cor, e acompanhavam junto. Acho que foi meu primeiro cult movie. Mais tarde, em 2006, quando trouxe para o Brasil, juntamente com o crítico Rubens Ewald Filho, as sessões de sing-a-long Cante-Com-a-Gente, no Teatro Folha, fiz questão de incluí-lo. Para mim o filme traz aquilo que é o inconsciente coletivo de um musical: um monte de gente jovem e alegre, cantando e dançando pelas ruas desertas de uma cidade.
A peça propriamente dita eu só assistiria nos anos 1980, em San Diego, numa produção que viajava pelos Estados Unidos. Desde então tive a chance de assistir quase todos os revivals sendo que, para mim, um em especial foi inesquecível. Em agosto de 1988, assisti a remontagem Off-Broadway no Lamb’s Theater. O curioso é que era um teatro localizado no terceiro andar de uma igreja em estilo neo-georgiano, na Rua 44, a Manhattan Church of the Nazarene; e hoje dá lugar ao hotel The Chatwal. O que a torna especial para mim, é que a assisti ao lado de uma pessoa que, mais tarde, descobri ser o próprio compositor do musical, Stephen Schwartz.
Godspell veio na esteira de vários musicais dos anos 1970 baseados na Bíblia: Two by Two, em 1970 (a Arca de Noé), José e Seu Manto Technicolor, em 1976, e o Evangelho de Matheus servindo de origem para Godspell e Jesus Cristo Superstar, em 1971, e Your Arms Too Short to Box With God, em 1976.
O musical conta de forma imaginativa os últimos sete dias da vida de Jesus, que aparece maquiado como clown e vestido com uma camiseta com o “S” de Superman. Seus discípulos vestem-se como bonecas Emília ou crianças hippies, e as parábolas como "O Filho Pródigo" e "O Bom Samaritano" são atuadas de maneira brincalhona e contemporânea. O musical foi apresentado durante três meses num teatro no Greenwich Village, após ser mostrado como um não-musical, enquanto um workshop era produzido pelo Café La MaMa. Depois do Village foi para o Promenade (o único teatro que, apesar de ser “na” Broadway, é considerado “off”), perfazendo 2124 apresentações em cinco anos, o que o torna o 4º musical de maior duração Off-Broadway. A estreia oficial do show “on” Broadway, teve lugar em junho de 1976, no Broadhurst, onde correu por 527 representações. O musical, que estreou em maio de 1971, no Cherry Lane Theatre, acabou fazendo 2651 performances no total, além de ter, ao mesmo tempo, sete companhias viajando pelos Estados Unidos.
Godspell, com música e novas letras de Stephen Schwartz e libreto de John-Michael Tebelack foi por muitos anos perene nas montagens amadoras, escolares e regionais norte-americanas. A simplicidade do show, com canções maravilhosamente melodiosas possuem uma inevitabilidade que as fazem soar como se fossem velhas amigas mesmo se escutadas pela primeira vez. O elenco da primeira montagem, que pode ser ouvido no CD Original Off-Broadway Cast, 1971 (Bell-Arista) é vigoroso e chega a ser surpreendente que nenhum deles tenha feito uma carreira musical significativa depois. Stephen Natan canta o papel de Jesus com uma voz estranhamente enfumaçada, porém atraente, e David Haskell está excelente como Judas/João Batista. A adorável gravação de Robin Lamont para “Day by Day” a transformou num sucesso popular. O único senão é Lamar Alford que canta o glorioso hino “All Good Gifts” com um tom gutural que alguns ouvintes poderão achar fora de propósito. Outra bela canção é By My Side, que não foi escrita por Stephen Schwartz, mas por Peggy Gordon, membro do elenco, em parceria com Jay Hamburguer.
Com vários cantores originais do palco, e a orquestra acrescida de sopros e cordas, a gravação da Trilha Sonora, 1973 (Bell-Arista) soa muito como a gravação do elenco Off-Broadway, com algumas diferenças notáveis: como Jesus, Victor Garber (o “vilão” do filme Titanic) tem uma voz mais doce do que a de Stephen Natan. Lynn Thigpen canta “Bless the Lord My Soul” com um estilo gospel mais autêntico que Joanne Jonas e o lírico “All God Gifts” de Merrell Jackson melhora significativamente aquela cantada por Lamar Alford. Uma nova canção foi incluída: a alegre “Beautiful City”. Tendo como cenário as ruas desertas de Manhattan e seus pontos mais conhecidos, o filme chamou-se no Brasil Godspell, a Esperança e para alguns pode se tornar um pouco difícil de assistir em DVD (Sony Pictures) porque o filme exibe com destaque o World Trade Center tanto na sua abertura como no número “All for the Best”. Mas este CD é certamente um prazer de se ouvir.
Estrelada por Hunter Parrish (Weeds) a última remontagem de Godspell na Broadway encerrou a temporada em janeiro de 2012 e foi indicada ao Tony de melhor revival (assista a apresentação no Tony aqui).
Das três montagens de Godspell que já foram realizadas no Brasil, só tive a oportunidade de assistir a de 2002, no antigo Teatro Jardel Filho, agora Brigadeiro. Deve ter sido a produção mais espetacular já feita para este musical, com cenários, figurinos e visagismo de encher os olhos. O grande problema da montagem era justamente o próprio produtor dela: Miguel Falabella. Seja nas versões ruins feitas para as canções, onde muitas vezes não se obedecia nem à métrica, nem às tônicas e se alterava completamente o sentido de uma letra para encaixar uma rima – como, por exemplo, em Beautiful City” / “A Nova Civilização (confira aqui esta e demais versões) –, ou quando ele fazia o papel de Judas, no melhor estilo Caco Antibes. Mas o resto do elenco era um luxo com atores que são hoje nomes de destaque do teatro musical brasileiro: Sara Sarres, Fred Silveira, Paula Capovilla, Amanda Acosta, Gottsha e Kacau Gomes, entre outros.
A primeira montagem brasileira, em 1973, teve Antônio Fagundes no papel de Jesus e Ayrton Salvanini interpretando Judas. Em 1974, tivemos uma remontagem dirigida por Altair Lima, tentando repetir o sucesso que tivera alguns anos antes com Hair. Deste elenco participaram nomes hoje famosos como Wolf Maia, Zezé Motta, Lucélia Santos e Kadu Moliterno. A grande atração foi que o musical era apresentado num circo erguido em Botafogo. Também dentro de um circo, só que desta vez na Gávea, em 1983, tivemos mais uma montagem carioca e como protagonista estava Fernando Eiras, com direção musical do maestro Marcos Leite.
Com uma direção criativa de Kleber di Lázzare, boa versão das músicas de Gilvan Gomes e tradução do libreto de Luciana Garcia, Godspell – O Musical estreou no último dia 3 de agosto, no Teatro Commune, em São Paulo. Numa época onde produções milionárias é a regra no cenário musical brasileiro, esta montagem vem com uma proposta mais simples de tornar Godspell mais contemporâneo e mais perto da realidade brasileira, num teatro de 83 lugares e uma orquestra de quatro músicos. Aqui, por exemplo, Jesus veste a Camisa 10 da seleção brasileira no lugar da camisa de Superman e a parábola de "O Filho Pródigo" é toda em baianês.
O elenco jovem e entusiasmado é formado pelos atores Arthur Berges (Judas/João Batista), Carlos Sanmartin, Guilherme Lazary e Pier Marchi recém-saídos de Um Violinista no Telhado, Mariana Elisabetsky (da montagem de 1992 de Um Violinista no Telhado, vista recentemente em Meu Amigo, Charlie Brown) além dos talentos de Janaína Lince (Hair), Aline Leite, Anna Toledo, Davi Tápias, Igor Miranda (Jesus), Louise Helene Schlemm, e Renata Versolato. Eles primeiro protagonizam imagens de personagens urbanos que a sociedade considera outsiders contemporâneos como o sem teto, a prostituta, o menor abandonado, a drag queen, o drogado, o executivo estressado etc..., para depois se transformarem em discípulos felizes, cheios de cor e vida, e virtudes. É um elenco tão homogêneo e bom que seria uma injustiça destacar uns e outros não. A sensação que temos é que o próprio elenco teve uma grande participação na montagem, ajudando a criar os próprios figurinos, personagens e até algumas falas. As únicas ressalvas que faço são quanto à microfonia que falhou em vários momentos e à direção vocal que precisa ainda de alguns acertos na parte coral.
Extraído de várias tradições teatrais, como o clowning, a pantomima, a mímica, marionetes, acrobacias e vaudeville, Godspell foi um reflexo inovador e único ao se contar uma história, com uma mensagem de tolerância, bondade e amor. Godspell foi um dos melhores e seminais musicais de rock do final dos anos 1960 e início dos 1970, e ainda hoje desperta emoções quando montado.
Amigo leitor, a partir da próxima semana estarei em férias, devendo retornar com muitas novidades.
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.
Godspell
Onde: Teatro Commune – Rua da Consolação, 1218 – Consolação Tel. (11) 3476-0792
Quando: 6ª 21h30, Sáb. 21h e Dom. 20h Até 30 de setembro Quanto: R$ 50 e R$ 25

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