6 de agosto de 2012

‘‘Trilogia da Incomunicabilidade”


‘‘Trilogia da Incomunicabilidade
Caixa com DVDs expõe o consagrado estilo de Michelangelo Antonioni
C&N
O chamado cinema de autor não seria o mesmo e nem teria obtido maior visibilidade sem Michelangelo Antonioni (1912-2007). Assim como Ingmar Bergman (que, coincidentemente, morreu na mesma ocasião), ele tem um lugar garantido na História do Cinema por construir uma obra bem pessoal, sem concessões aparentes, voltada para questionamentos existenciais. Mas enquanto o cineasta sueco mostrou-se menos preso a fórmulas e gêneros, sem temor de emocionar, já o diretor italiano era mais frio, exclusivamente fiel ao drama e ao tema da incomunicabilidade. Isso fica patente para quem tenha tido a oportunidade de assistir toda ou parte da sua filmografia de longas de ficção (17 títulos).
Tal evidência se faz presente nesta “Trilogia da Incomunicabilidade”, um pacote com DVDs de três filmes marcantes do realizador: “A Aventura” (“L´Aventura”), “A Noite” (“La Notte”) e “O Eclipse” (“L´Eclisse”). Todos feitos seguidamente entre 1960 e 1962, e com personagens que, de uma maneira ou de outra, dão a impressão que caminham para um tédio definitivo. Essa percepção parecia existir no próprio Antonioni, durante os dias em que permaneceu no IVº Festival Internacional de Teerã, em 1975, onde eu também estava. Por aparentar certo desdém e a sensação de entediado, alguns brasileiros mais debochados se referiam a ele como o “seu noia” (tédio em italiano).
A sua consciência do tédio se faz presente verbal e visualmente em “A Aventura”. É, dos três longas, aquele que tem uma trama mais armada, embora inconclusiva. Esse aspecto de seu epílogo pode ter sido a razão da vaia que surgiu ao final da projeção no Festival de Cannes em 1960, onde acabou ganhando um prêmio do júri. O curioso é que, dois anos depois, na tradicional pesquisa da revista inglesa Sight & Sound para apontar os melhores filmes de todos os tempos, essa criação classificou-se em segundo lugar (hoje está em 21º).
Ufa, que noia” é a expressão usada por uma das personagens do enredo que se desenrola, em boa parte, durante uma excursão de iate por algumas ilhas do litoral italiano. Ao desembarcarem em uma delas, o grupo de ricos passageiros percebe o desaparecimento de Anna (Lea Massari). As buscas não encontram nenhum vestígio e nem explicação para o que ocorreu. Só que o sumiço da milionária deixa de ser enfocado para dar vez ao romance que passa a rolar entre Sandro (Gabrielle Ferzetti), amante de Anna, e Claudia (Monica Vitti), amiga dela. Essa mudança brusca causa certa estranheza, mas permite a Antonioni expor a incomunicabilidade em uma narrativa lenta e de plasticidade geométrica. Tal visual acentua a tristeza, o desencanto.
A Noite” também tem esse clima, mas é mais vibrante, oferece seres humanos que lutam com mais garra para demolir esse distanciamento entre pessoas que se amam. Se o filme é mais quente, isso se deve a atuação de Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau, dois dos maiores intérpretes de toda a história do Cinema. Eles dão vida ao casal Giovanni e Lidia Pontanno. Inicialmente, vão a um hospital visitar o amigo Tomaso Garani (o alemão Bernhard Wicki, diretor do laureado “A Ponte”), escritor como Giovanni, que tem doença terminal. Depois, enfrentam o lançamento de um livro de Giovanni e terminam numa grande festa onde o protagonista se sente atraído pela rica Valentina (Monica Vitti).
Premiada com o Urso de Ouro do Festival de Berlim, esta jornada noite adentro passa por situações mais vitais ao ser humano: iminência da morte, sucesso, desejo sexual e aquele comportamento algo estereotipado dos ricos que já estava em “A Aventura”. Mesmo com essa repetição de condutas, o rumo dado ao casal Pontanno tem mais paixão. E é esse desespero para fazer renascê-la, para escapar do tédio que costuma sufocar um casamento, que torna o longa, o melhor dos três.
Laureado com um prêmio especial do júri do Festival de Cannes, “O Eclipse” é a deliberada conclusão dessa trilogia. Novamente, Antonioni centraliza-se em um casal que busca o diálogo. No caso, Vittoria (Monica Vitti), que sai de uma relação amorosa e entra em outra. Agora com Piero (Alain Delon), um ambicioso operador da bolsa de valores. Mais apurado no visual, tirando bom partido de Roma e, outra vez mostrando os seus protagonistas em ruas vazias, o diretor reafirma o seu pessimismo. No seu neorrealismo interior, o enfado e a atração carnal alheia destroem o amor. Mesmo entre pessoas dotadas de cultura e informação, ele acaba sendo transitório e até amargo
Em preto e branco, os três DVDs da “Trilogia da Incomunicabilidade” trazem muitos extras que ajudam a compreender o peculiar universo de Antonioni. Em especial, uma entrevista com ele e um depoimento de sua musa outrora amada, Monica Vitti. Trata-se de um cinema difícil, com soluções fílmicas que hoje ressoam envelhecidas por terem sido imitadas a exaustão posteriormente. Mas o pacote demonstra esplendidamente a relevância e a coerência desse realizador que, com beleza, engrandeceu o cinema da alma
Alfredo Sternheim é cineasta, jornalista e escritor
A Aventura (“L´Avventura – Itália/França - 1960 - 143’) Direção: Michelangelo Antonioni Com: Gabrielle Ferzetti, Lea Massari, Monica Vitti,, Dominic Blanchard, Renzo Ricci, entre outros.  
DVD: Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Fullscreen (1.77.1) Áudio: Dolby Digital (2.0) Idioma: Italiano Legenda: português Extras: Antonioni: Documentos e testemunhos / Entrevista com Antonioni / Depoimento de Monica Vitti
A Noite (“La Notte - Itália/França - 1961 -118´ ) Direção:  Michelangelo Antonioni Com: Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Monica Vitti, Bernhard Wicki, Maria Piu Luzi, Rosy Mazzacurati , Vincenzo Corbella,  entre outros.
DVD: Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Fullscreen (1.66.1) Áudio: Dolby Digital (2.0) Idioma: italiano Legenda: português Extras: Trailers / Cinejornais da época
O Eclipse (“L´Eclisse” – Itália/França - 1962 - 126’) Direção: Michelangelo Antonioni Com: Alain Delon, Monica Vitti, Francisco Rabal, Lilla Brignone, Louis Seigner, Rosana Rory, entre outros.
DVD: Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Fullscreen (1.85:1) Áudio: Dolby Digital (2.0) Idioma: italiano  Legenda: português Extras: A Trilogia da Incomunicabilidade / Uma palavra do diretor / “O Eclipse” em Cannes / Biografias
Distribuição: Versátil Home Vídeo

Nenhum comentário:

Postar um comentário