‘O salto estético de Evaldo Mocarzel’
Os dois títulos lançados já mereceram prêmios.
Os dois títulos lançados já mereceram prêmios.
C&N
Dois documentários de Evaldo Mocarzel entraram em cartaz na
semana
passada: o longa À Margem do
Lixo em cinemas de seis estados;
e o
média Quebradeiras em
1109
cineclubes de todo o Brasil, que receberam kits da
Raiz Distribuidora com os dois filmes em
DVD. Se contarmos sua co-direção em “Raul, o Início, o
Meio e
o Fim”, serão três filmes dele em
exibição simultânea pelo país. Evaldo é um dos documentaristas mais
ativos nos últimos dez anos. Seus filmes chegam relativamente pouco aos
cinemas
e praticamente não chegam às locadoras, mas circulam muito na
TV,
em festivais, escolas, comunidades, etc.
Os
dois títulos lançados agora, quatro
anos
depois de realizados, já mereceram prêmios: À Margem do
Lixo ganhou melhor
filme pelo júri popular, melhor
fotografia e
Prêmio Especial do Júri no Festival de Brasília
de
2008. Quebradeiras
recebeu o prêmio de melhor
documentário no Festival de Toulouse, na
França, e
prêmios de direção, fotografia e
som
no Festival de Brasília de 2009. Mais importante ainda, esses filmes
demonstram a passagem de Mocarzel da fase de informação bruta para um
momento de maior busca estética. Passagem também da entrevista para a
observação.
À Margem do
Lixo é o terceiro tomo de sua
tetralogia da margem. Ele filmou catadores de lixo de São Paulo,
todos
dotados de consciência de classe e organizados em movimento. Os catadores
aparecem eventualmente narrando suas próprias imagens num estúdio (à la Jean
Rouch), enunciando suas ideias políticas ou empenhados no seu agitado
dia-a-dia.
Este doc não tem a mesma força dos dois primeiros (À Margem da
Imagem e À Margem do
Concreto), talvez por serem frutos
de
uma fase de transição na carreira de Mocarzel. As cenas de trabalho
na
rua, gravadas principalmente pelo diretor de fotografia Gustavo
Hadba,
são ricas em angulações e detalhamento da ação dos catadores, evidenciando
um
forte desejo de experimentação por parte do diretor. O filme é pontuado por
três
sequências magistrais que mostram o processo de reciclagem de papel,
plástico
PET e alumínio. Evaldo inspirou-se em Dziga Vertov e na escola
soviética para propor uma edição baseada em estrofes matemáticas de
fotogramas.
São pequenos ensaios de puro ritmo, cor e movimento, que me lembraram também
o
curta O
Canto do Estireno, de Alain
Resnais (1958).
Já
Quebradeiras é um rompimento quase completo com o compromisso
expositivo habitualmente associado ao doc etnográfico. Seu retrato das
quebradeiras de coco de babaçu da região fronteiriça de Maranhão e
Tocantins é puramente lírico, mítico e musical. As imagens de
Gustavo
Hadba estão entre as mais belas do documentário brasileiro recente.
Enquadramentos primorosos, pontos-de-vista inesperados, uma atenta
exploração da
poética da luz, da natureza exuberante e das conexões entre o movimento do
trabalho, das danças e do simples viver das mulheres.
O
elemento feminino se manifesta na
forma
de iaras nuas, mães amamentadoras, camponesas cantadeiras, divas vaidosas.
As
quebradeiras veem as palmeiras de babaçu como mulheres. Evaldo segue a
trilha
desse panteísmo e extrai uma beleza incomum - e incomum não apenas para seus
filmes comumente ‘sujos’ de tanta realidade. Em Quebradeiras, pela primeira vez Evaldo dispensa
completamente
as entrevistas. Valoriza o silêncio, a observação de um cotidiano
delicadamente
encenado, a edição que às vezes transforma o trabalho em música. Toda a
informação vem pela estética, seja das imagens virtuosísticas, seja dos
cantos
que modulam todo o filme.
Quebradeiras
foi produzido com recursos do
edital
Etnodoc, que recentemente divulgou os resultados
de sua segunda seleção.
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