18 de abril de 2012

“À Toda Prova”





“À Toda Prova”
O prolífico e inquieto Steven Soderbergh experimenta mais um gênero, a fita de pura ação.
C&N

Steven Soderbergh é, com certeza, um dos cineastas norte-americanos em atividade de filmografia mais interessante. Goste-se mais ou menos de uma obra ou outra, mas a verdade é que, em praticamente 25 anos de carreira como diretor – a começar pela impactante estreia com “sexo, mentiras & videotape” (1989), um dos primeiros filmes a consagrar o uso do vídeo doméstico como estética -, Soderbergh nunca se acomodou e experimentou diferentes tipos de gênero e os mais variados portes de produção, indo do sucesso de público ao fracasso, da fita elogiada pela crítica ao título cult, da obra que ninguém mais lembra que ele fez a outras que não são mesmo necessárias lembrar. Entre seus muitos títulos, apenas para ilustrar, ele foi da ficção científica (“Solaris”; passagens de “Contágio”) ao épico histórico (as duas partes de “Che”), criou uma franquia de luxo (a dos “Onze”, “Doze” e “Treze Homens e tantos Segredos”...), fez drama social (“Erin Brockovich”) e global (“Traffic”), experimentou linguagem com astros famosos (“Full Frontal”) e com total desconhecidos (“Bubble”), etc. Isto sem falar em sua interessante carreira também como produtor.
Está em cartaz seu mais recente trabalho como diretor, que, sem depreciar, não tem maior valor cinematográfico além de o de ser um autêntico brinquedo de menino grande, um filme realizado apenas porque Soderbergh assim o quis: “À Toda Prova”, um filme de ação e pancadaria estrelado por uma não-atriz, a lutadora de MMA Gina Carano. Um dia o cineasta a viu na TV, achou sua figura interessante e armou toda esta produção de porte médio como veículo para suas habilidades físicas. Não é a primeira vez que Soderbergh se envolve com atores não convencionais: ele trabalhou com estreantes no intimista “Bubble” (2005) e escolheu como protagonista uma atriz de filmes pornográficos, Sasha Grey, para estrelar “Confissões de uma Garota de Programa” (2009). Mas aqui o diretor chega ao requinte de moldar o filme segundo as limitações de Carano, levando-a a contracenar e por vezes a lutar feio com um elenco masculino invejável: Michael Douglas, Antonio Banderas, Ewan McGregor, Bill Paxton, Channing Tatum, Mathieu Kassovitz e Michael Fassbender, o queridinho da vez, em cartaz ainda em outros dois filmes, “Shame” e “Um Método Perigoso”.
O enredo é muito simples, acompanha a super-soldado Mallory Kane (Carano) que foi traída durante uma missão e acusada de assassinato, em sua corrida contra o tempo para saber quem armou em cima dela e limpar seu nome. Uma coisa meio Jason Bourne, mas sem muitas firulas, indo direto ao ponto, em quase cravada hora e meia de duração, com pouco desenvolvimento de personagem e ênfase nas cenas de ação. E com direito a locações em Barcelona, Dublin e Novo México - e a cena em Barcelona é de construção e montagem impecáveis. Já a premissa que justifica a estrutura da trama (pra escapar de uma emboscada, Mallory rouba o carro do jovem Scott - Michael Angarano - e pra ele conta toda sua história) é meio ultrajante, mas funciona dentro da falta de maiores ambições do filme. O roteiro é de Lem Dobbs, que já trabalhou antes com Soderbergh em outras duas obras cheias de estilo: “Kafka” (1991), com Jeremy Irons e em preto-e-branco, e “O Estranho” (1999), no qual Terence Stamp arrasa como pai em busca de vingança.
Soderbergh realmente gastou dinheiro (e não o reaverá tão cedo, já que o filme infelizmente está sendo ignorado em todas as praças) para trabalhar com Carano e com isto fazer um exercício de linguagem, brincar de fazer filme de ação, experimentar o gênero. Fazendo um filme classudo, mas que nada de novo oferece. É bastante divertido, contudo, acompanhar este assumido descompromisso cinematográfico. É filme-pipoca de grife, sempre com o bom gosto inerente a Soderbergh. Acentuando o caráter que a fita tem de produção B dos anos 1960/70, aquela que preenche horário de uma sessão dupla, a trilha sonora do já tradicional parceiro David Holmes mescla jazz e eletrônico com uma elegância e saudosismo deliciosos. E uma última curiosidade: Carano é lutadora de MMA (Mixed Martial Arts), nova e incompreensível febre entre os brasileiros, esporte que tem como ídolo Anderson Silva e sua voz meio aguda e diminuta - já a voz de Carano foi alterada no filme para soar bem mais grave do que é na vida real. Falta voz aos lutadores de MMA?
À Toda Prova (“Haywire” - EUA /Irlanda - 2011 - 90’) Direção: Steven Soderbergh Com: Gina Carano, Michael Angarano, Channing Tatum, Debby Lynn Ross, Michael Douglas, Antonio Banderas e Ewan McGregor, entre outros.  
Distribuição: Imagem Filmes

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