24 de abril de 2012

“The Wizard of Oz (1903)”

The Wizard of Oz (1903)
Muito... muito antes do arco-íris’.
C&N 
Considerado o musical mais popular de sua época, “The Wizard of Oz” (veja aqui o pôster original) foi a atração que inaugurou o Majestic Theatre de Nova Iorque, em 20 de janeiro de 1903 (demolido em 1954). Era aquilo que os americanos chamam de extravaganza, ou seja, um espetáculo musical caracterizado pela liberdade de estilo e estrutura que geralmente contém elementos do burlesco, pantomima, music hall e paródia; e às vezes elementos do cabaré, circo, teatro de revista, vaudeville e mímica, sempre numa produção teatral cara e muito elaborada. Esta estrutura era muito comum no final do século XIX, na Inglaterra, e ficou muito popular através das peças de James Pranché (1796-1880). Esta produção espetacular, que L. Frank Baum adaptou de seu próprio conto de fadas “The Wonderful Wizard of Oz (“O Maravilhoso Mágico de Oz”) tem um enredo que conhecemos bem: um ciclone sopra Dorothy e sua vaquinha de estimação (isto mesmo, uma vaquinha!!!) do Kansas para a Terra dos Munchkins. Após encontrar o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Covarde, Dorothy e seus três novos amigos passam por muitas aventuras até que finalmente encontram o Mágico, na Cidade das Esmeraldas, quando Dorothy conclui que ‘não há lugar como o lar’.
A produção acabou ficando mais do que um ano em cartaz em Nova Iorque e Brooklin, e viajou durante seis anos pelos Estados Unidos. No entanto, seu score veio de tantas fontes diferentes que nenhuma editora conseguiu juntá-lo numa coletânea para piano e voz e, apesar de sua popularidade, “The Wizard of Oz” nunca pode ser remontado - houve uma tentativa de remontagem em 2010 pela Cantom Comic Opera Co., no Canadá - e todos os seus truques e segredos estão perdidos até hoje. Quem estava no comando da produção não era Baum, que também compôs as letras, e muito menos Paul Tietjens seu compositor, mas sim Julian Mitchell (o mais prolífico diretor de musicais da Broadway de todos os tempos), que reescreveu o libreto, dirigiu e coreografou a produção, além de Fred Stone & Dave Montgomery.
Montgomery & Stone (veja aqui e aqui fotos deles caracterizados) foram dois dos mais amados artistas norte-americanos. Eles eram acrobatas talentosos que podiam cantar, dançar, atuar, fazer mímica e conquistaram a sua fama justamente nesta montagem de “The Wizard of Oz”, com Montgomery protagonizando o Homem de Lata e Stone o Espantalho. Eles se conheceram nos seus 20 anos e, em 1894, criaram um número de música e dança, usando a cara pintada de preto, que faria o circuito do vaudeville nos próximos dez anos. Eles alcançaram seu auge no prestigioso Keith Circuit, antes de estrearem na Broadway com “The Girl From Up There”, em 1901. Foram o exemplo clássico daqueles atores que vieram do vaudeville para o grande sucesso na Broadway, fama garantida em shows feitos sob medida para seus talentos. Se na vida real eram bem apessoados e tinham uma vida comum, nos palcos eles se tornavam o mais estranhos e excêntricos possível.
Após o grande sucesso de “The Wizard of Oz”, o mesmo time de produtores e diretor surgiria com uma imitação, só que tendo como compositores os grandes Victor Herbert-Glenn MacDonough, assim nascendo “Babes in Toyland”, um clássico dos primórdios da Broadway, depois filmado com o Gordo e o Magro (“Era Uma Vez Dois Valentes”,1934).
Finalmente, um século depois de sua estreia, o magistral CDThe Wizard of Oz (1903 Vários Compositores) Studio Recordings, Piano Rolls, Music Box Discs, 1902-08 (Hungry Tiger Press, 2 CDs) reconstituiu o show numa antologia. Todos os créditos são devidos ao produtor David Maxine, para quem este projeto difícil e assustador foi obviamente um trabalho de amor, já que não houve gravação com o elenco original, as partituras que sobreviveram são fragmentos, e nunca houve uma coletânea completa das músicas e libreto do show publicadas. Originalmente, como já dissemos, Baum trabalhou no libreto e letras, e Paul Tietjens compôs algumas das músicas do show, mas esses esforços pararam logo, e deram lugar a uma quantidade interminável de canções intercaladas (o nome A. Baldwin Sloane, frequentemente citado como compositor do show, não está nem em evidência aqui). Como Maxine explica claramente no encarte do CD, “The Wizard of Oz” era atualizado dependendo do artista; assim sendo, o material no musical era acrescentado e removido incessantemente. Dentre os números mais populares estavam ‘Sammy’, ‘Hurrah for Baffin’s Bay’e a animadamente sádica ‘Football’. Se estes títulos não parecem ser os mais prováveis para se encontrar no caminho para Oz, a sinopse do show, encontrada em jornais da época, indica o quão pouco do livro de Baum remanesceu; até mesmo o Leão Covarde teve seu status reduzido a uma pequena participação. Os dois CDs vêm abarrotados com tudo que é tipo de curiosidades. A maior parte deles são gravações acústicas das canções, mas alguns números só existem ou em rolos de piano ou em caixinhas de música. Também incluídas estão algumas canções que não são de Oz, mas gravadas por membros do elenco original. É óbvio que o resultado final é uma colcha de retalhos, mas ajuda muito as letras virem impressas no encarte.
Esta primeira montagem de “The Wizard of Oz” sem dúvida contribuiu para transformá-lo em um dos grandes mitos norte-americanos, antes de ser totalmente solidificado no inconsciente coletivo ocidental, o que viria só com o filme de 1939, da MGM, e suas reprises anuais. Nesta versão da história, o Leão nunca é descrito como covarde, nunca se torna amigo de Dorothy, e não pode falar. A Bruxa Malvada do Oeste nunca aparece e por isso não pode ser derretida. Não há sapatinho, rubi ou prata, e a viagem de Dorothy para encontrar seu caminho de casa é muitas vezes eclipsada por uma história sobre uma rebelião política na Terra de Oz. Apesar de ter sido escrito pelo criador de Oz, o enredo simplesmente não se parece muito com Oz. Ainda assim, o sucesso desta adaptação teatral parece ter sido, pelo menos parcialmente, responsável por empurrar Oz além de suas raízes, como um charmoso conto de fadas da virada do século, e transformá-lo no mito cultural e comercial da indústria de entretenimento que é hoje. Na introdução do segundo livro de Oz - “The Marvelous Land of Oz” (“A Maravilhosa Terra de Oz”) -, publicado um ano após este musical ter estreado em Nova Iorque, Baum escreve que ele prometeu a uma menininha que pediu por uma sequência que, quando ‘milhares de meninas tiverem escrito (...) mil cartinhas pedindo outra história’, ele atenderia o seu pedido. Baum observa que ‘o sucesso da produção para o palco [...] trouxe novos amigos para a história’ e inspirou as necessárias ‘milhares de cartas’. Baum escreveu mais doze sequências, uma coletânea de contos, e tiras de história em quadrinhos sobre de Oz, além de ter produzido três filmes mudos usando seus personagens. Ao construir uma marca em Oz, Baum transformou sua história em uma propriedade comercial segura, com um valor que deu à MGM a confiança de investir o dinheiro necessário para fazer o filme que levou muitos de nós para ‘além do arco-íris’.
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.

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