26 de abril de 2012

‘Um épico do compartilhamento’


Um épico do compartilhamento
O longa evoca o modelo das sinfonias documentais que marcaram a década de 1920.
C&N
No dia 24 de julho de 2010, eu vi uma sessão de curtas no Anima Mundi e recebi em casa a minha amiga Marília Martins, que acabava de voltar de uma temporada em Nova York. Muita coisa aconteceu pelo mundo naquele sábado. Um menino ganhou trocados nas ruas de Lima, um rapaz americano pegou o telefone e contou à avó que era gay, uma mulher chorou sozinha na cama em algum ponto da Europa, um fotógrafo saiu mostrando que Cabul não era só guerra, muita gente se feriu num acidente de multidão em Duisburg, um homem desmaiou enquanto filmava o parto do seu filho no BrasilFlashes desse dia, um dia como outro qualquer, compõem o primeiro doc colaborativo a circular internacionalmente em salas de cinema.
O projeto “A Vida em um Dia é a ponta mais visível de um novo iceberg na linguagem dos documentários: sai o filme de autor, entra o filme de curador. No Brasil não tem sido diferente. Eduardo Coutinho fez a ‘curadoria’ de programas de TV em “Um Dia na Vida”. Já em “Pacific”, Marcelo Pedroso trabalhou exclusivamente com vídeos de turistas em cruzeiros a Fernando de Noronha. Diante da massa de produção individual e caseira que surge a cada dia na era digital, cabe a curadores buscar e organizar sentidos, com vistas a criar novas obras a partir do já criado. De certa forma, somos todos curadores quando precisamos administrar, selecionar, favoritar e arquivar o que nos atrai e interessa. Mas Kevin MacDonald (“One Day in September”, “Touching the Void”, O Último Rei da Escócia”) foi proativo na sua ideia: através do Youtube, convocou a todos que quisessem filmar aquele 24 de julho em suas vidas e suas cidades, e postar o resultado no megasite. Resultaram 88.000 inscrições de 192 países, gerando 4.500 horas de vídeo. Com isso MacDonald montou os 93 minutos de “Life in a Day”.
De alguma forma, o longa evoca o modelo das sinfonias documentais que marcaram a década de 1920, mostrando em fragmentos o decorrer de um dia na vida de cidades como Berlim, Moscou, Paris e São Paulo. Em “A Vida em um Dia”, o início na madrugada e o percurso aproximado da jornada sugerem uma sinfonia mundial. Dentro desse circuito macro, MacDonald criou circuitos menores, unificados por temas (trabalho, romance, nascimentos, alimentação, violência e dor etc), certos padrões de movimento (caminhadas, atletismo) e perguntas específicas (o que você carrega no bolso ou na bolsa? O que você mais ama? O que você mais teme?).
Esse carrossel de cenas públicas e privadas - muitas corriqueiras, algumas legitimamente dramáticas, outras bastante divertidas - formam uma espécie de elogio do banal. Ou melhor, mostram que o banal pode assumir um valor poético ou singular quando oferecido ao olhar que não sabe o que esperar do próximo minuto. Além disso, há uma profunda singeleza nesse oferecimento de si e do seu entorno pelo simples prazer de compartilhar. “A Vida em um Dia talvez seja o primeiro épico cinematográfico da idade do compartilhamento.
E você, é capaz de lembrar e compartilhar algo que fez em 24/7/2010?

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