16 de julho de 2012

‘‘A Estalagem Vermelha”


‘‘A Estalagem Vermelha
Filme francês com trama macabra possibilita rever o comediante Fernandel.
C&N
O Tempo é também forte aliado para o esquecimento de pessoas e ídolos, de um passado não longínquo. Já não pensava mais em Fernandel (1903 -1971), um dos comediantes do cinema europeu, entre 1930 e 1960, que obteve maior popularidade mundial. Nos meus tempos de infância e juventude, enfrentava filas nos cinemas que exibiam os longas da série Don Camilo. Foram cerca de cinco, de 1952 até 1965. Em todos, o padre que ele interpretava, enfrentava confusões no antagonismo com um prefeito comunista, o rude Peppone, vivido pelo italiano Gino Cervi
Depois de décadas, revejo o francês Fernand Joseph Desiré Contandin (o nome verdadeiro de Fernandel) em “A Estalagem Vermelha” (“L´Auberge Rouge”), filme de 1951, que me era desconhecido. Nele, o ator é um monge da igreja católica, Christian. Curiosamente, foi o seu trabalho anterior ao primeiro “Don Camilo”, feito no ano seguinte. Extraída de um conto de Honoré de Balzac (1799-1850), cuja obra já serviu de base para mais de 160 filmes, a história passa-se toda em uma estalagem e seus arredores. As primeiras cenas deixam claro que os eventuais hóspedes arriscam-se a perder suas vidas, em função dos roubos feitos pelo casal proprietário e por um auxiliar. É lá onde vão parar os passageiros de uma diligência, em meio de uma forte nevasca. A mesma intempérie faz com que Christian e o seu auxiliar se abriguem lá. Curiosamente, a senhora Martin (Françoise Rosay), esposa do proprietário, resolve se confessar. E relata seus crimes. O padre teme que ela faça o mesmo com os atuais hóspedes, mas não pode violar o segredo de confissão para salvá-los.
O dilema do monge é o mesmo que atormenta o padre Logan (Montgomery Clift) em “A Tortura do Silêncio”. Só que, em vez do drama daquela criação extraordinária que Alfred Hitchcock fez em 1953, a tensão aqui é encaminhada para um humor macabro, onde Fernandel tem a chance de se movimentar com aquela peculiar expressão algo equina de candura e perplexidade, que sustentaram a sua carreira e que ganham realce quando o monge se vê diante do inusitado final. Sem pontuações moralistas, esse epílogo é arrojado, para a ocasião em que o longa foi feito. Tanto no enredo do filme de Hitchcock como neste, há uma evidente má fé daqueles que, mesmo sob o poder místico da igreja católica, não hesitam em fazer uso malandro de uma de suas regras: o segredo da confissão. 
Em preto e branco, a produção gaulesa envelheceu na evidência da cenografia e na atuação teatral da maior parte do elenco. Mas há bons achados no roteiro, escrito pela dupla Jean Aurenche e Pierre Bost, com a colaboração do diretor Claude Autant-Lara (1901-2000), refilmado em 2007 por Gérard Krawczyk. Caso daquele boneco de neve. E a narrativa é bem servida por uma balada descritiva, cantada pela voz severa e bela do então jovem Yves Montand, antes de se tornar também famoso como ator. Por isso, “A Estalagem Vermelha” envolve com o seu humor macabro e com a fluente direção do profícuo Autant-Lara, um artesão refinado que caiu no esquecimento após a desqualificação do velho cinema francês por parte da turma do Cahiers Du Cinema, quando do surgimento da Nouvelle Vague. Não havia necessidade dessa conduta predatória com o passado. Só que ela se repete de tempos em tempos. Felizmente, hoje, temos o DVD para nos fazer voltar ao passado do cinema, avaliá-lo novamente e até mesmo descobri-lo.    
Alfredo Sternheim é cineasta, jornalista e escritor
A Estalagem Vermelha(“L´Auberge Rouge”- França - 1951 - 98’) Direção: Claude Autant-Lara Com: Fernandel, Françoise Rosay, Jean-Roger Caussimon, Maire-Claire Olivia, Nane Germon, Didier D´Yd, Jacques Charon, Gregoire Aslan, Robert Berri, entre outros.
DVD: Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Cheia Áudio: (2.0) Idioma: Francês Legenda: português, inglês e espanhol Extras: Fotos do Filme - Trailers
Distribuição: Cult Classic

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