31 de julho de 2012

Johnny Mercer – “The Dream's on Me”


Johnny Mercer – The Dream's on Me
“Johnny Mercer é o maior dos compositores populares. Eu acho que isto tem a ver com o fato dele ser do sul. Ele tem o sentido descritivo de um Mark Twain e as melodias de Stephen Foster". - E.Y.Harburg
C&N
Johnny Mercer é um nome que muitos não conhecem, mas posso garantir que enquanto estiver assistindo a este documentário você irá exclamar: Não me diga que ele também escreveu esta música!
Um letrista cujo humor aguçado e sentimentalismo, assim como seu olhar para o talento, definiram a música popular norte-americana, da Grande Depressão até o início dos anos 1970. Mercer escreveu clássicos tais como “Moon River”, “Jeepers, Creepers, "Ac-Cent-Tchu-Ate the Positive", e "One for My Baby (And One More for the Road)". Bem, se você já assistiu Pernalonga e Patolino cantando "My momma done told me..." então você já ouviu Johnny Mercer. Eles estão fazendo um riff de sua composição “Blues in the Night”, escrita em parceria com Harold Arlen em 1941.
18 de novembro, de 2009, marcou o centenário de nascimento de Mercer, e por conta desta ocasião Clint Eastwood (produtor executivo), Bruce Ricker (direção) e a Turner Classic Movies se uniram para fazer Johnny Mercer – “The Dream's on Me” (Warner Brothers DVD), um documentário comemorativo, com este nome vindo de outra canção de 1941 que ele fez em parceria com Arlen. O filme é parte biografia, parte imagens de arquivo e parte recontextualização, tomando as músicas de Mercer e as colocando nas mãos de cantores atuais como Jamie Cullum e Dr.John para mostrar que ainda hoje elas são relevantes.
Ricker construiu o documentário baseado nas canções, deixando que elas criassem o mapa pelo qual se navega pela história de Mercer. Ele cobre todos os aspectos da vida de Mercer: a infância em Savannah (Georgia), a trilha que percorreu até chegar a Hollywood e Broadway, seu amor por sua esposa Ginger e o affair com Judy Garland, as várias parcerias musicais, e um aspecto de sua vida que eu não sabia, que Johnny Mercer foi um dos cofundadores da Capital Records, sendo o cantor Nat “King” Cole um de seus primeiros artistas, fato este que “transcendeu as profundas barreiras raciais na indústria fonográfica”. Mercer compôs canções avulsas e muitas para o cinema. Foram para pelo menos 95 filmes – dramas, comédias ou musicais –, que lhe renderam 18 indicações ao Oscar das quais venceu quatro: "On the Atchison, Topeka and the Santa Fe" (música de Harry Warren) para As Garçonetes de Harvey (The Harvey Girls, 1946), "In the Cool, Cool, Cool of the Evening" (música de Hoagy Carmichael) para Órfãos da Tempestade (Here Comes the Groom, 1951), "Moon River" (música de Henry Mancini) para Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's, 1961), e "Days of Wine and Roses" (música de Henry Mancini) para Vício Maldito (Days of Wine and Roses, 1962). Outros trabalhos de Mercer para o cinema incluem Bonita Como Nunca (You Were Never Lovier, 1942 - música de Jerome Kern), Ver, Gostar, Amar (The Belle of New York, 1952 - música de Harry Warren), Sete Noivas Para Sete Irmãos (Seven Brides for Seven Brothers,1954 – música de Gene DePaul), Papai Pernilongo (Daddy Long Legs, 1955), Laura (1944, música de David Raksin) e uma que virou o hino de Hollywood: "Hooray for Hollywood" para o filme Hotel de Hollywood (Hollywood Hotel, 1937 – música de Richard Whiting). Também compôs para musicais da Broadway, mas se ganhou muito respeito não encontrou grande sucesso por lá. St. Louis Woman (1946), escrito com Harold Arlen, continha “Come Rain or Come Shine” e um dos melhores scores já escritos para a Broadway, mas o libreto acabou com a produção. Em 1949 Mercer e Robert Emmet escreveram Texas, Li’l Darlin’, que teve uma carreira respeitável. Top Banana (1951) estrelou Phil Silvers (um dos maiores comediantes da TV norte-americana), e desta vez o próprio Mercer escreveu a música. O maior sucesso dele para a Broadway foi Li’l Abner (1956) – já resenhado por mim no C&N – o qual ele escreveu com Gene de Paul. Mercer e Arlen unir-se-iam novamente para o fracasso lamentável de Saratoga (1959), mais uma vez com um score subestimado. Seu último show da Broadway foi Foxy, com música de Robert Emmett Dolan. O show fechou prematuramente em 1964. O último score dele para os palcos foi para uma produção londrina chamada Good Companions (1974), para a qual Andre Prévin escreveu a música. Embora Mercer tenha afirmado nunca ter acertado um sucesso na Broadway, o que não é bem uma verdade, suas canções permanecem trabalhos de primeira linha para o teatro musical.
Ilustrando tudo isso clipes relevantes são exibidos, na maioria de shows da TV americana, dos anos 1950 e 1960, estrelando Nat “King” Cole, Andy Williams, Lena Horne, Dinah Shore, Barbra Streisand, Louis Prima & Keely Smith, e muitos outros – mais notadamente o próprio Mercer na maioria deles. Também há um monte de filmagens posteriores de Mercer aparecendo no talk-show de Merv Griffin e em outro da BBC falando de sua arte. Ele é um contador de causos elegante e divertido, muitas vezes deixando escapar uma anedota sobre alguma canção.
Intercalado a narrativa temos Eastwood ou organizando as performances em um estúdio, sentado ao lado do compositor John Williams, ouvindo histórias de Michael Feinstein, ou ensaiando cantores como Maude Maggart ou até mesmo sua própria filha. Também há novas entrevistas com Blake Edwards, Andre Prévin, Tony Bennett e Julie Andrews, todos os quais ou colaboraram com Mercer ou de alguma forma interpretaram a sua música, além de depoimentos como os do crítico de cinema Leonard Maltin, do musicólogo Jonathan Schwartz e do compositor Alan Bergman.
No total, Johnny Mercer – “The Dream's on Me” é um olhar informativo e animado sobre um homem e a sua arte, um testamento da vitalidade de sua obra e uma apreciação da mente criativa que está por detrás disso tudo. A gente fica conhecendo a vasta influência de Mercer assim como sua excelente carreira como artista (assista aqui o próprio Mercer cantando Jamboree Jones).
Tecnicamente o DVD em si tem uma imagem muito boa em widescreen, a resolução é nítida, as cores intensas e fica evidente que até mesmo as filmagens antigas foram colhidas das melhores fontes possíveis. O som stereo é ótimo, com um trabalho muito bem feito para nos dar gravações límpidas das músicas, o que é muito importante. Legendas em inglês para surdos-mudos estão disponíveis, o que também ajuda os que leem inglês melhor do que ouvem.  Johnny Mercer – “The Dream's on Me” é um DVD duplo onde no DVD 1 temos o documentário de 90 minutos, e no DVD 2 os bônus. A maior parte dos extras são sequências prolongadas e performances a partir do próprio documentário. No "At the Piano with Clint Eastwood" temos uma sessão de oito minutos de Clint com John Williams e seis minutos com Jamie Cullum, debatendo a técnica e a influência de Mercer. “Studio performances” são as gravações de estúdio que foram extraídas do documentário, e aqui são mostradas na totalidade. São dez canções, cerca de 35 minutos, estrelando Jamie Cullum, Dr. John, John Williams, Cleo Laine, Morgan Eastwood, Maude Maggart, Audra McDonald, e Michael Feinstein. Você pode selecionar cada canção individualmente ou escolher "play all" para ouvi-las de uma vez. Também temos dois slideshows com fotos da família e belas aquarelas pintadas por Mercer, com narração de sua sobrinha Nancy Gerard, e um ensaio biográfico para ser lido na tela, escrito por Glenn T. Eskew.
Johnny Mercer – “The Dream's on Me” é um documentário muito bem feito sobre o lendário e prolífico compositor, morto aos 67 anos. O homem por trás de sucessos como That Old Black Magice Moon River era um criador incessante, um indivíduo complexo, e esta celebração ao seu trabalho põe a música no centro das atenções, combinando performances antigas e novas. É um retrato informativo de um talento deveras especial. Para qualquer fã de filmes antigos ou do autêntico jazz, é bem possível que já tenha apreciado a carpintaria musical dele, e Johnny Mercer – “The Dream's on Me” fará você apreciá-la ainda mais.
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.

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