26 de julho de 2012

“Na Estrada”


Na Estrada

Uma bela jornada épica de um amor jamais concretizado.
C&N
Em 1957, Jack Kerouac lançou On The Road (traduzido no Brasil como Pé na Estrada), seu livro de caráter autobiográfico. Com foco na geração Beat, tornou-se um marco para a juventude dos anos 1960, que fez de tudo para se libertar do conservadorismo, do conformismo. A história permaneceu por muito tempo influenciando novas gerações. Coube ao diretor brasileiro Walter Salles (Central do Brasil, Diários de Motocicleta) mexer num vespeiro, com a coragem que nenhum outro diretor teve de adaptar Keroauc para o cinema do novo milênio. E ele se sai bem. Embora o filme apresente erros corriqueiros de adaptações literárias.
Dificilmente o Na Estrada (On The Road, 2012) de Walter Salles chegaria perto da importância do livro, então o diretor limitou-se a prestar um tributo às palavras de Kerouac e aos leitores que encararam a obra nos anos seguintes ao seu lançamento. Uma opção que transmite o clima de rebeldia e liberdade da época, mas que tem seus significados diluídos por se concentrar demais no que seus protagonistas sentem realmente um pelo outro.
Começa pela decisão do roteiro de Jose Rivera em adaptar a fala do escritor Sal Paradise (Sam Riley), que nos situa no período em que conheceu o amigo cowboy tresloucado Dean Moriarty (Garrett Hedlund): “Eu conheci Dean logo depois da morte do meu pai”. No livro, os dois se encontraram após o fim do casamento de Sam. Mas Salles e Rivera fazem isso para justificar de forma menos complexa a admiração e a forte amizade entre os dois. Afinal, Dean também não tem pai. Por isso não aceita ser adulto e cheio de compromissos.
Feito hoje, o filme teria a chance de ser polêmico se não deixasse o teor político da época de fora – de preferência que o atualizasse. Mas a essência da adaptação de Walter Salles é mesmo essa amizade que, na verdade, é um amor não consumado. A consequência é um filme mais fácil para uma geração que se recusa a ver cinema como arte (nem nos casos mais gritantes), mas como estilo, que precisa ser renovado de tempos em tempos. É menos épico, espiritual e provocante, por exemplo, que outro filme de mochileiro, cuja origem veio muitos anos depois de Kerouac: Na Natureza Selvagem, de Sean Penn. Sem falar no clássico Sem Destino, muito mais poderoso, e que tinha uma ligação com sua época, que vivia a Guerra do Vietnã. Como cinema são mais provocantes no sentido de nos fazer pensar no equilíbrio entre ser sossegado na vida e deixar fluir o espírito de aventureiro.
No livro, Sal e Dean podiam ser confundidos como transgressores que geravam um levante à contracultura. Mas Salles reduz a grandeza da obra e a complexidade da trama numa proposta já antiquada de amor proibido em tempos de produções consagradas como O Segredo de Brokeback Mountain. Ou seja, Na Estrada, o filme, já nasce velho. Pena. Até porque o jovem de hoje não sabe qual luta priorizar. Talvez seja melhor bater na mesma tecla e centrar numa discussão atual e relevante, que é de fato importante. Como o direito e o respeito de cada um às diferenças e às escolhas dos outros. Mas On The Road é muito mais do que isso.
Salles é tão deslumbrado pela obra que não se importa em ser econômico. Algumas partes não precisavam ter saído da sala de edição, como toda a sequência envolvendo a atriz Alice Braga. Um deslumbramento que chega ao ponto de realizar o sonho de Dean e Sal, numa montagem frenética insinuando o sexo que nunca concretizaram. O diretor também explica demais o que era para ser implícito. Como na cena do ménage à trois, deixando claro que Sal não quer a fogosa Marylou (Kristen Stewart), mas Dean. Outro exagero na explicação de Salles é o recurso da narração em off. Parece que estamos lendo o livro. E se a proposta serve para justificar a conclusão do filme, que remete a um processo de metalinguagem, já vimos uma narrativa cinematográfica muito mais eficiente e surpreendente neste caso, como em Adaptação, de Spike Jonze.
Ainda assim, Salles e Rivera contam uma bela jornada épica de um amor jamais concretizado. E propõem um bom estudo de personagens. Principalmente o de Dean Moriarty. Devido ao desaparecimento do pai, ele gasta sua energia (ou raiva?) em sexo casual com mulheres. Mas a única transa que parece expor o verdadeiro Dean é com um velho tarado, que lhe paga por sexo. Seria um ato inconsciente para punir o pai? Tanto que minutos depois dessa cena, Dean parte (sem rumo como sempre) em busca dele.
Mas esse estudo é engrandecido pela surpreendente performance de dois atores. Ponto para Kristen Stewart, que está bem. Nunca pensei que diria isso, mas é verdade. No mínimo, uma atriz muito corajosa. Mas o filme pertence a Garrett Hedlund. O protagonista de Tron – O Legado se revela um ator bastante promissor. Chama a câmera para si com total confiança e rouba todas as cenas. Ei, Oscar, não deixe de pensar em Dean Moriarty. Pense em Dean Moriarty. Veja o trailer aqui Na Estrada
Na Estrada (On the Road - França/Reino Unido/EUA/Brasil - 2012 - 137’) Direção: Walter Salles
Com: Kristen Stewart, Amy Adams, Kirsten Dunst, Viggo Mortensen, Garrett Hedlund, Sam Riley, Steve Buscemi, Elisabeth Moss, Terrence Howard e Alice Braga, entre outros.
Distribuição: PlayArte Pictures

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