3 de julho de 2012

“Oklahoma!”


Oklahoma!
O musical que deu início a Era de Ouro da Broadway era Sem pernas, sem piadas, sem chances’’.
C&N 
  Quando naquela noite de 31 de março de 1943, no Teatro St. James, a cortina subiu, o que o público presenciou seria algo inesquecível e um dos marcos da história da Broadway. Experiência igual só em 1927, quando estreou “Showboat”, que também transformaria o teatro musical. Era e estréia de “Oklahoma!”, de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II, baseado na peça “Green Grow the Lilacs”, de Lyn Riggs, um fracasso em 1931, na Broadway. A peça fora encenada pelo importante, na época, Theatre Guild, e foi mais um de cinco ou seis sucessivos fracassos dessa organização, levando-a à beira da falência. No entanto, Terry Helburn, uma das líderes do Theatre Guild, botou na cabeça que “Green Grow the Lilacs daria um bom musical e começou uma verdadeira peregrinação em busca de financiamento e dos possíveis autores para seu projeto. Richard Rodgers concordou em escrever as músicas, mas tinha um problema com seu parceiro, o grande Lorenz Hart, que cada vez trabalhava menos e bebia mais (a propósito, Hart comentou com Rodgers: Eu realmente não acredito que “Green Grow the Lilacs” possa dar num bom musical. Eu acho que você está cometendo um erro). Foi buscar em Oscar Hammerstein II um novo parceiro para escrever as letras, e também adaptar o enredo para o teatro musical. Hammerstein II, apesar do já citado “Showboat”, era praticamente desconhecido, pois pouco tinha feito desde então. Rouben Mamoulian (diretor dos filmes “Sangue e Areia”, “Meias de Seda”, “Cleópatra”), um armênio especialista em cinema, embora tivesse dirigido “Porgy and Bess no teatro, dez anos antes, foi o diretor escolhido. E assim o projeto deslanchou marcando o início daquilo que chamamos de a ‘Era de Ouro dos Musicais da Broadway’.
Oklahoma!” acabou ficando por 5 anos e 9 meses consecutivos em cartaz, com 2212 representações, estabelecendo o primeiro grande recorde de longa duração de shows da Broadway, que só viria a ser batido 15 anos depois, por “My Fair Lady”, com 2717. O segredo do sucesso do musical - que foi chamado originalmente de “Away We Go!” – foi ter sido um espetáculo concebido e encenado de forma completamente diversa de tudo o que se fazia em termos de musicais na época, além de uma excelente música, fundida perfeitamente à história, onde cada canção mantém continuidade à ação contando o enredo, e a excepcional coreografia de Agnes DeMille, que introduziu o conceito de balé integrado à história, fazendo parte dela e dando ‘personalidade’ a cada bailarino, muitas vezes com um simples gesto ou passo de dança (o famoso balé ‘Sonho de Laurey/ Dream Laurey Dance’, no final do 1º ato, entrou para a história, quando os dois personagens são substituídos por dois bailarinos, numa das coreografias mais criativas jamais apresentadas na Broadway - veja aqui em coreografia de Susan Stroman).
O show já começa diferente. Após uma introdução orquestrada, ao invés de um grande número de abertura, com uma linha de coro com belas moças simetricamente escolhidas, e com os trajes mais sumários permitidos para a época, ao abrir das cortinas a plateia se depara com um amplo cenário mostrando uma pradaria, montanhas delineadas ao longe, tudo iluminado por um sol dourado e brilhante. Com uma velha senhora batendo manteiga em primeiro plano, um caubói vem cantando a linda balada ‘Oh, What a Beautiful Mornin’’. (veja vídeo com Hugh Jackman). ‘Meu Deus!’ – diria a audiência – ‘que maneira de começar um musical!’. ‘Onde estão os dançarinos, a música vibrante, o movimento e a alegria característica de todos os shows musicais?’.
Rodgers & Hammerstein II estavam lançando as bases da nova comédia musical e decididamente parecia que o público não estava preparado. Foi apenas depois de 20 minutos do espetáculo ter começado, que o primeiro coro de garotas entrou no palco. Nova decepção. Todas estavam com vestidos longos, meias grossas, sapatos pesados, exatamente como a moda rural do princípio do século XX pedia. Mais espanto da plateia. A situação desenvolvia-se no palco de forma tão inusitada que ao final do 1º ato, da primeira apresentação em New Haven, o representante de um dos maiores investidores do show mandou um telegrama ao seu patrão. Este telegrama, que ficou famoso pelo seu texto e pelo completo erro de avaliação do espetáculo dizia simplesmente: ‘No legs, no jokes, no chances’ (isto é, ‘Sem pernas, sem piadas, sem chance’).
Oklahoma!” tem ação no início do século XX, num território indígena norte-americano, então recém-transformado no Estado de Oklahoma, o 46º da Federação Americana. A trama principal conta a simples história sobre quem conquistará e ficará com a linda mocinha, a bela Laurey (Joan Roberts): o bom moço Curly (Alfred Drake – talvez o mais bem sucedido leading man dos anos 1940 e 50, tanto em musicais quanto em peças), ou o mau caráter Jud (Howard da Silva)? Laurey escolhe Jud, mas logo descobre que está realmente apaixonada por Curly, e com ele se casa. O casamento se transforma numa gloriosa comemoração da criação do novo Estado, onde temos o número com a canção título ‘O-K-L-A-H-O-M-A’. Jud então morre acidentalmente numa briga com Curly, que é absolvido, e os noivos partem felizes na carruagem com franjas no teto, que se transformou numa das imagens mais marcantes deste musical. Há também uma história cômica secundária, sobre outro triângulo romântico que envolve a garota Ado Annie (Celeste Holm, futura estrela de cinema e vencedora do Oscar), que é louca por homens, o caubói Will Parker (Lee Dixon) e o mascate Ali Hakim (Joseph Buloff).
Imortalizado em um sem número de remontagens mundo afora, só na Broadway foram cinco: em 1951, 1953 (com Florence Henderson como Laurey e Barbara Cook numa inesquecível Ado Annie), 1969 (Bruce Yarnell interpretando Curly), 1980 (Christine Andreas fazendo Laurey e Christine Ebersole no papel de Ado Annie numa direção de William Hammerstein, filho de Oscar), e 2003 (Patrick Wilson num memorável Curly e Shuler Hensley - vencedor do Tony por este papel - encarnando Jud), foi também o primeiro filme realizado em Todd-AO (ou seja, precursor do 70mm), em 1955, com direção de Fred Zinnemann (“A Um Passo da Eternidade”, “Julia”, “O Dia do Chacal”), tendo no elenco Gordon MacRae (Curly), a estreante e muito jovem Shirley Jones (Laurey), Rod Steiger (Jud), o excelente dançarino Gene Nelson (Will Parker), a veterana Charlotte Greenwood (Aunt Eller Murphy) e Gloria Grahame (Ado Annie), vencendo os Oscars de melhor som e música (de musical). Com direção do renomado Sir Trevor Nunn (que também dirigiu os musicais “Cats”, “Les Misérables” e “Sunset Boulevard” entre outros) “Oklahoma!” mereceu uma premiada remontagem londrina, lançada em 1999 em vídeo e depois em DVD, nos revelando o talento do então desconhecido Hugh Jackman (arrasando num Curly com muito gusto e sex appeal). Curiosamente, em sua recente passagem pelo Brasil, Hugh Jackman anunciou uma futura refilmagem de “Carousel”, com Anne Hathaway, outro musical da dupla Rodgers & Hammerstein II (uma curiosidade: a dupla poderá ser vista, em dezembro próximo, na esperada versão para cinema do musical “Les Misèrables”, ele como  Jean Valjean e ela como Fantine).
Temos muitas gravações disponíveis em CD. Prefira a do elenco original da Broadway (Decca - 1943), quase completa e considerada um tesouro sendo a primeira gravação de um grande musical americano; e a trilha sonora, de 1955 (Capitol / Angel), maravilhosamente gravada em estéreo e ainda mais completa que o da Broadway contendo duas overtures, e todas as danças, inclusive o balé do sonho.
Oklahoma!” permanece como impressionante testemunho da capacidade da arte do teatro musical norte-americano. Sua estrutura ainda vive em shows como “Side Show” (1997), “Ragtime” (1998), “Parade (1998) e “The Light in the Piazza (2005 – aliás, composta por Adam Guttel, neto de Richard e filho de Mary Rodgers).
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.

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