“1776”
‘Se você fosse Thomas Jefferson e não tivesse visto
a
sua
mulher por seis meses, você não iria terminar de
escrever a Declaração de Independência no minuto
em que
Betty Buckley entrou
pela porta?’. - Stuart
Ostrow para Peter Stone e Sherman Edwards, em seguida à audição de Buckley.
C&N
Sherman
Edwads era um professor de história
que
decidiu escrever um musical sobre os Founding Fathers of the United
States, ou seja
aqueles homens que assinaram a Declaração de Independência
dos Estados Unidos, em 1776. Peter Stone, o
libretista, disse que quando ele falava para as pessoas que
ele
estava trabalhando num show chamado “1776”,
soava
tão enfadonho que eles cairiam no sono entre o 17 e o
76! Mas embora parecesse tedioso, “1776” é um grande musical, com um
excelente score. Ele ganhou o Tony de melhor
musical de “Hair”,
mas não é um show indigesto e de direita como possa parecer. Se há alguma
coisa,
é o povo que quer mudanças, não os conservadores, que são os heróis. O show
também deu a Gary Beach (“La
Cage aux Folles”), um dos atores darlings da Broadway, sua
primeira incursão ao Great White
Way. Ele pegou o papel de Rutledge quase no final da
temporada. O
musical levou ainda os Tonys
de ator coadjuvante (Ron
Holgate) e direção (Peter Hunt).
1776 também
marcou a estreia na Broadway da diva Betty Buckley, então com 21 anos.
Como
num filme hollywoodiano, Betty
acabara de chegar do Texas, descobriu no último minuto que faria uma
audição, era a última garota da fila, e pegou o papel - tudo no seu primeiro dia em Nova
York!!!
A
melhor gravação deste que é um dos
maiores hits da
Broadway é a da ‘Original
Broadway Cast’ (Columbia/Sony - 1969). Embora o libreto de Peter Stone tivesse recebido os
elogios, o score de Edwards é inteligente ao cumprir a
sua
função, sendo repleto de personagens, sabor e vários níveis de emoções. Esta
gravação documenta um score - com
grande orquestração de Eddie Sauter e
direção
musical de primeira qualidade de Peter Howard - naquilo que há de
mais
estimulante e excitante. William
Daniels é o John Adams
definitivo, exibindo uma combinação de fogo, gelo, desespero e humor seco em
canções como ‘Piddle, Twiddle and
Resolve’ e ‘Is Anybody
There?’.
Rex
Everhart também se sai
consideravelmente
bem como um Benjamin Franklin
irreverente e meio indecente, substituindo Howard da Silva - do elenco
original -
que havia sofrido um enfarte e não participou das sessões de gravação, mas
retornaria ao show mais tarde. Ken
Howard dá carisma e simpatia sinceros ao seu Thomas Jefferson, e a alegre grandiloquência que Ron Holgate dá a Richard Henry Lee é contagiante. Paul Hecht e Clifford David fazem oponentes
formidáveis na busca pela independência de Adams. ‘Molasses to
Run’ onde Clifford David, como Edward Rutledge, aceita o infame
Triangle Trade (o tratado sobre o tráfico negreiro
nas
colônias inglesas), é um dos momentos mais brilhantes e assustadores do
CD.
Entre as
melhores
faixas também destaco ‘But Mr.
Adams’. Aqui, para quem foi bom aluno
de
história, é onde descobrimos que não foi um nobre ideal que fez Thomas Jefferson escrever a Declaração de
Independência - é
porque ninguém mais queria fazê-lo. Eu adoro o diálogo exagerado no meio,
onde
Jefferson conta a Adams que ele não pode escrevê-la
porque ele pretendia passar o tempo fazendo você sabe o quê com a sua
esposa. Adams admite que ele
quer
fazer a mesma coisa! Não com Jefferson, mas com a Sra. Adams (não creio que o swing estivesse em voga nos anos
1770) -
aliás, Abigail Adams é uma
atuação
vibrantemente romântica feita por Virginia Vestoff. A gente nunca
pensa
que estes personagens históricos - a não ser o nosso D. Pedro I -
faziam
sexo. Mas este show nos faz pensar. Preste também atenção na harmonia no
final
da canção, na última palavra. O tenor principal primeiro atinge uma nota
menor
e, em seguida, resolve-se para uma nota maior. A tensão é devastadora e o
resultado... Delicioso!
Outra faixa
ótima é
a timidamente sugestiva ‘He Plays the
Violin’, uma canção que também faz
referências sexuais sobre os Founding
Fathers, ao descrever porque Martha Jefferson tem o maior tesão
por
Thomas Jefferson. Ela diz que
não é
seu jeito com as palavras, mas o modo como ele toca violino (insira-se aqui
a
piada do arco de violino). Sherman
Edwards não só escreveu uma ótima canção, mas ele a imbuiu com
simbolismos.
A melodia em si é baseada no violino. As notas que se salientam no verso “He plays the vi-o-lin” são os
intervalos das cordas de um violino. Puro truque! Betty Buckley só tinha uma cena no
show, que se encerrava com esta canção. Hoje em dia, em shows como “Les
Mis” e
“Wicked”, o alto-belting é obrigatório. Mas naqueles
dias
ninguém beltava essas notas. O belt penetrante e claro de Buckley pavimentou o caminho de Laurie Beechman, Idina Menzel e outras cantrizes da Broadway.
Seguiu-se a
esta
montagem uma breve produção londrina, em 1970, e a remontagem na
Broadway, de 1995. Com muitos dos atores principais mantidos,
a
versão para o cinema foi realizada em 1972, e pode ser considerada
uma
das mais fiéis transposições do palco para a tela já realizada. Daniels, Vestoff, Howard e Holgate recriaram seus papéis e na
gravação da trilha-sonora
(não
disponível em CD, mas disponível em DVD) parecem soar melhores
ainda do que na gravação do cast
album. Howard da Silva
finalmente pode gravar seu Benjamin
Franklin e está delicioso no papel. Blythe Danner é uma Martha Jefferson mais suave, mais
eficaz só que menos cantora que Betty
Buckley. John Cullum assume
o
papel de Rutledge e proporciona
uma
sólida interpretação para ‘Molasses to
Run’.
Uma curiosidade: os
homens em 1776 que não querem a independência da Grã Bretanha
são
os conservadores. Eles cantam a música ‘Cool, cool Considearate
Men’ com letra sobre ficar somente
do
lado da direita e recusar estar na esquerda do poder. Quando o filme foi
feito,
o então Presidente Richard Nixon fez lobby junto ao
produtor Jack Warner para cortar
a
canção porque ele pensou que a mesma poderia ser considerada
antirrepublicana. A
pressão de Nixon deu certo e a
canção foi cortada. Imagine então a mídia sendo forçada a não fazer o
governo
parecer mau. Felizmente a canção foi reestabelecida quando o
DVD
do filme foi lançado.
Sherman
Edwards, que depois escreveria
algumas
canções pop menores para adolescentes, surpreendeu a todos com o score de “1776” -
seu
primeiro e único para os palcos da Broadway. Assim como Meredith Willson ficou famoso por
“The
Music Man”, ele parecia ter apenas realmente um único e bom show
dentro
dele. Mas tão bom quanto o score
de
Edwards (e muito dos louros têm
que
ir para as orquestrações de Eddie
Sauter
e o elenco), o libreto de Peter
Stone é uma revelação. Ele criou um milieu realista e personagens
tridimensionais, e imbuiu o processo - discussões políticas um tanto sólidas
e
arcaicas - com um sentido real de premência e drama.
Cláudio Erlichman
é
publicitário
e produtor
cultural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário