13 de junho de 2012


Deus da Carnificina

Os papeis sociais e os pequenos estopins que a vida apresenta.
C&N
O que começa com uma pequena briga entre garotos, num parque público, acaba se tornando um verdadeiro pesadelo social para seus pais, politicamente corretos, na tentativa de reparação.
A cena começa com Penelope (Jodie Foster) redigindo uma carta de esclarecimento à escola dos garotos, com relação à briga que ambos tiveram. Atrás dela estão o marido, Michael (John C. Reilly), e os pais do outro garoto, Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz).
Todos devidamente constrangidos com a situação - um casal ter que ir à casa do outro, em desagravo - tentam resolver o embate da maneira mais polida possível. Já neste ponto, começam a surgir as pequenas desavenças entre eles: quando Penélope escreve que o filho do outro casal ‘atacou’ seu filho ‘armado’ de um pedaço de pau, estes reagem e pedem para mudar os termos para ‘agrediu’ o outro garoto ‘portando’ um pedaço de pau. Pura semântica! Mas extremamente importante para delinear os personagens: Penelope, dona de casa com veleidades artísticas (foi assistente de pesquisa num obscuro livro, sobre uma obscura tribo africana), casada com Michael, dono de uma loja de material de construção, com um verniz social muito superficial, de um lado; Nancy, executiva do mercado de ações, casada com Alan, advogado de um escritório que atende principalmente a indústria farmacêutica. Ou seja, universos em colisão.
Não bastasse a excelência do texto teatral de Yasmina Reza, magistralmente adaptado para o cinema por ela mesma e pelo diretor, a primorosa direção de Roman Polanski - devidamente esnobada na temporada de prêmios do ano passado - valoriza cada nuance das interpretações deste impressionante quarteto de atores. Impossível destacar quem está melhor neste microcosmo da sociedade norte-americana atual.
Jodie Foster, pouco a pouco perdendo o pouco controle que imagina ter da situação, e sentindo-se intimidada pela posição profissional do outro casal, parte para a agressão logo nos primeiros minutos, defendendo a posição de vítima de seu filho, na briga. Seu marido, John C. Reilly, simplório e bem intencionado, acha claramente a situação completamente desnecessária - as crianças devem, e vão, resolver sozinhas este problema. Já Kate Winslet, fugindo de sua afável persona habitual, ressente-se da pouca - quase nenhuma - atenção que o marido dá à situação. E este, Christoph Waltz, apresenta-se como o implacável advogado de grande escritório, cético e cínico frente a tudo e todos. Detalhe: seu celular, elemento muito importante em todo o desenrolar da ação, pontua praticamente todos os momentos chaves do filme.
Teatro filmado de excelente qualidade, onde não há necessidade de ações externas - a clausura é, inclusive, decisiva para o desenvolver da trama - o filme carrega, em seus enxutos 80 minutos de duração, toda a crítica ao que a sociedade acha que seja aceitável e desejável, e demonstra, muito claramente, que basta praticamente nada para que este delicado equilíbrio seja rompido, e as pessoas passem a demonstrar o que realmente estão sentindo, como se não houvesse consequências.
Não que isso seja uma real medida de qualidade, mas, em uma equipe tão reduzida, há a impressionante quantidade de cinco Oscars envolvidos. Sem contar a indicação do sempre subestimado John C. Reilly. Primoroso. Não perca!
Deus da Carnificina (“Carnage - França/Alemanha/Polônia/Espanha - 2011 - 80’) Direção: Roman Polanski Com: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly.
Distribuição: Imagem Filmes

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