“Prometheus”
É mais que um filme. É um evento.
C&N
Ninguém vê um filme
com os mesmos olhos de outra pessoa. Isso vale para qualquer arte. Imagine
então
quando a religião é o tema. Ou quando o gênero é a ficção científica,
principalmente aquela sem fronteiras, que se revela intelectualmente
estimulante. E quando o cineasta Ridley Scott anuncia seu retorno ao
gênero que o consagrou depois de 30 anos, a expectativa se torna mais um
inimigo. Mais um agravante: Scott resolveu mexer num vespeiro ao optar por
uma
nova história dentro do universo de sua obra-prima “Alien
- O Oitavo Passageiro”, de 1979. As
continuações de James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre
Jeunet podem ter seus fãs, mas 100% do público concorda que o
filme
de Scott é o mais original. 90% o defendem como o melhor da
série.
Para tornar sua missão ainda mais difícil, o diretor decidiu dar outro rumo
à
história, sem copiar “Alien”, mas criando uma nova saga,
independente de seu clássico. O prelúdio virou um novo filme. Diferente
daquele
sufocante terror disfarçado de ficção científica,
“Prometheus” (2012) tornou-se um épico
megalomaníaco, muito mais ambicioso que o ‘modesto’ e intimista filme de
79. Se há razões de sobra para se empolgar com uma sessão de
“Prometheus”, a chance de cair do cavalo é igualmente
proporcional.
Logo na abertura
entendemos que estamos longe do que vimos em “Alien”. Após
um
salto temporal maior que o do início de “2001 -
Uma
Odisseia no Espaço”, Scott propõe uma viagem já explorada em
livros e filmes, como o citado clássico de Stanley Kubrick, mas a
conduz
de forma irresistivelmente original, graças a sua habilidade como contador
de
histórias, capturando e manipulando a atenção da plateia do início ao fim, e
seu
olhar único para luzes, cores e sombras na criação de mundos visualmente
ricos
que só podem existir do lado de lá da tela, além do intrigante
roteiro de Jon Spaiths e Damon
“Lost”
Lindelof. Esqueça a lição de Scott que virou clichê do monstro
escondido num lugar claustrofóbico perseguindo e matando os humanos um por
um.
“Prometheus” tem a ousadia de buscar respostas para perguntas
como
‘De onde viemos?’, ‘Quem é o nosso Criador?’,
‘Por que fomos criados?’ e ‘Para onde vamos?’.
Ou
seja, ficção científica. Mas que não deixa de questionar a religião e a fé.
“Prometheus” pode ser o harém dos amantes da
fantasia, mas também uma bomba relógio.
Ninguém é perfeito - A primeira metade do filme é perfeita. Com uma
narrativa
lenta, lançando questões existenciais, confrontando ciência e religião, numa
tensão crescente, que se comunica com os nossos sentidos com sons e
sugestões.
Descobrimos o que os protagonistas descobrem – num admirável exercício de
narrativa de um filme que privilegia o suspense, com o DNA de
“Alien” sendo pouco a pouco
reconhecido.
Além disso, os personagens são explorados pelo roteiro enquanto vão de
encontro
aos seus objetivos. Apresentados um a um pela presença impactante do
andróide
David (num extraordinário desempenho de Michael
Fassbender), ávido por conhecimento, enquanto os passageiros da nave
Prometheus dormem por longos dois anos. Ele caminha por salas
e
corredores, assiste a “Lawrence da Arábia”,
copiando o penteado de Peter O’Toole e seu tom de voz no
filmaço
de David Lean, repetindo várias vezes uma das falas de T.E.
Lawrence (‘The trick, William Potter, is not minding
that
it hurts’), que se torna a chave
para compreendermos sua curiosa relação com a verdadeira heroína de
Prometheus, a cientista Elizabeth Shaw (Noomi
Rapace), que se revela tão forte quanto Ripley. Ao notar sua
resistência à dor, sendo capaz de tudo para alcançar seus objetivos, David
percebe nela um vício em comum: o conhecimento.
Parece que
estamos
testemunhando o nascimento de mais uma obra-prima do cinema, mas aí vem a
metade
final de “Prometheus”. Mais ou menos, logo após a sequência
da
tempestade de areia pra ser mais exato. Todo e qualquer truque retirado da
sutileza, da ideia de que ‘menos é mais’ – algo que deu muito certo
em
“Alien” e foi ignorado em suas continuações –
desaparece. Falhas do roteiro se tornam evidentes, como o excesso de
personagens. Dezessete passageiros nessa expedição parecem muita coisa. A
não
ser que todos os personagens sejam devidamente desenvolvidos. Mas não é o
caso.
Com exceção de David, Elizabeth,
Holloway (Logan Marshall-Green) e Meredith
Vickers
(Charlize Theron), o restante é superficial, dispensável. Ninguém vai sofrer
por
esses quase anônimos. Inclusive há uma cena meio solta de um personagem
‘enlouquecido’ atacando alguns tripulantes. Solução tosca encontrada
pelo
roteiro para dar cabo do excesso de personagens dispensáveis e dar sequência
aos
mistérios da origem da vida.
Mesmo que não
haja
tempo para respostas – Scott optou por uma metragem de duas horas, o
que
é raro na atualidade –, “Prometheus” intriga,
gera
discussão e, não há como negar, é entretenimento acima da média. Não, o
Ridley Scott de “Alien” e “Blade
Runner” não chegou a mais uma obra-prima do gênero.
Também
não se vendeu ao esquemão hollywoodiano. Ele apenas encontrou um meio de
continuar a fazer filmes autorais dentro da indústria. Sobreviveu. Se a
geração
atual exige tudo explicadinho e mastigado – cacoetes de uma época –, até que
“Prometheus” é um filme desafiador. Saudosistas
reclamam que a sua segunda metade tenta explicar demais.
“Prometheus” é, de fato, autodidata.
Mas
clássicos modernos do gênero, como “Matrix”
e “A Origem” também são. E olha que
Scott praticamente não respondeu pergunta alguma em
“Prometheus”. Verdade que o diretor sonha em fazer uma
sequência. Mas o filme vive por si só. Scott devia deixar tudo para a
nossa imaginação. Assim, “Prometheus”
duraria para sempre. Pois, de certa forma, seus mistérios agem como
MacGuffin.
Filme evento - “Prometheus” é mais que um filme. É um
evento. Para cinéfilos de carteirinha, Ridley Scott retorna a um
gênero
em que é admirado por muitos, voltando a uma de suas maiores temáticas: a
perturbação ideológica. “Prometheus” consegue
ser
muito além de um simples e declarado exemplar na era dos prelúdios e
reboots.
Um
dos maiores focos da trama não remete
à
franquia “Alien”, mas sim aos atos que estão por trás da
expedição junto com o projeto “Prometheus” que vem ao
título. Em uma breve descrição, “Prometheus”
era um
deus grego que queria compartilhar a divindade com a humanidade e, por isso,
é
punido. Essa definição, ao ser compreendido, torna-se a chave para que o
filme
se torne ainda mais grandioso (não melhor) que “Alien”, algo
no
patamar de “Blade Runner”.
A
questão do homem e a busca por
respostas
é o ponto chave e a alma do filme. Em contrapartida, vem o antagonismo da
história. Mas não com implantação de teorias ou a glorificação do senso
comum
como acontece em uma boa parte dos filmes de ficção cientifica. Mas sim com
réplicas das dádivas dos questionamentos levantados pelo ‘replicante’
interpretado por Fassbender, que se consolida como um dos maiores e
mais
versáteis atores do momento.
Falhas que nos tornam humanos - Assim como o Roy (Rutger Hauer) de
“Blade Runner”, David é aquele que confronta o
espectador a perguntar o que é, enfim, a humanidade. Como a personagem de
Noomi Rapace, David busca respostas sobre tudo, mas a
diferença é que em muitos momentos do filme, ele sabe como articular essas
dúvidas, desafiando o personagem de Marshall-Green e o próprio
público –
fazendo o Homem perceber que ainda está despreparado para compreender as
respostas. Talvez ele – por não ser considerado humano – possa.
Mas o que significa
ser humano? David está sempre assistindo, como uma
devoção,
a “Lawrence da Arábia”, carregando sempre a artificialidade
ao
seu rosto, mas buscando se aproximar do que faz alguém humano. Se disserem
que a
definição está no ser com ideias determinadas, tomam atitudes baseadas em
sua
intuição, bem, seria possível chamar David de humano?
“Prometheus” talvez não tenha
a
intenção de superar “Alien”, Nem poderia. É assumidamente
mais
ambicioso. E Scott não quer se repetir. Ele quer deixar sua
assinatura no
gênero e na mente do espectador. E quando um filme consegue levar um debate
a
outro nível, que muitas vezes começa a aparecer linhas de pensamentos
intrigantes e até desafiadores, isso quer dizer que você percebe o quanto
ele é
genial. Porque a ficção cientifica está aí amigos, para debater sobre o
desconhecido e encontrar respostas para perguntas que, em algum momento, vão
às
nossas vidas. O próprio “Blade Runner” não foi
devidamente reconhecido na época de seu lançamento.
No
final, com uma cena que podia muito
bem
ter ficado para o pós-créditos, “Prometheus”
leva a dois caminhos: aos filmes da série
“Alien” e a uma saga inteiramente nova, que
pode
ter continuação para saciar uma geração que precisa de respostas. Falta aos
humanos, ao cinéfilo, e ao próprio Ridley Scott o reconhecimento de
que a
vida e os filmes são exatamente como devem ser: perfeitos por serem
imperfeitos.
Texto com
a
colaboração
de João Paulo
Rodrigues (Cine
JP)
“Prometheus” (EUA - 2012 -
124’) Direção: Ridley Scott Com: Noomi
Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron,
Logan
Marshall-Green, Idris Elba e Guy Pearce, entre outros.
Distribuição: Fox
Filmes
Acesse: www.hollywoodiano.com.
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