21 de junho de 2012

“Prometheus”


Prometheus
É mais que um filme. É um evento.
C&N

Ninguém vê um filme com os mesmos olhos de outra pessoa. Isso vale para qualquer arte. Imagine então quando a religião é o tema. Ou quando o gênero é a ficção científica, principalmente aquela sem fronteiras, que se revela intelectualmente estimulante. E quando o cineasta Ridley Scott anuncia seu retorno ao gênero que o consagrou depois de 30 anos, a expectativa se torna mais um inimigo. Mais um agravante: Scott resolveu mexer num vespeiro ao optar por uma nova história dentro do universo de sua obra-prima “Alien - O Oitavo Passageiro”, de 1979. As continuações de James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jeunet podem ter seus fãs, mas 100% do público concorda que o filme de Scott é o mais original. 90% o defendem como o melhor da série. Para tornar sua missão ainda mais difícil, o diretor decidiu dar outro rumo à história, sem copiar “Alien”, mas criando uma nova saga, independente de seu clássico. O prelúdio virou um novo filme. Diferente daquele sufocante terror disfarçado de ficção científica, “Prometheus (2012) tornou-se um épico megalomaníaco, muito mais ambicioso que o ‘modesto’ e intimista filme de 79. Se há razões de sobra para se empolgar com uma sessão de “Prometheus”, a chance de cair do cavalo é igualmente proporcional.
Logo na abertura entendemos que estamos longe do que vimos em “Alien”. Após um salto temporal maior que o do início de “2001 - Uma Odisseia no Espaço”, Scott propõe uma viagem já explorada em livros e filmes, como o citado clássico de Stanley Kubrick, mas a conduz de forma irresistivelmente original, graças a sua habilidade como contador de histórias, capturando e manipulando a atenção da plateia do início ao fim, e seu olhar único para luzes, cores e sombras na criação de mundos visualmente ricos que só podem existir do lado de lá da tela, além do intrigante roteiro de Jon Spaiths e DamonLostLindelof. Esqueça a lição de Scott que virou clichê do monstro escondido num lugar claustrofóbico perseguindo e matando os humanos um por um. “Prometheus” tem a ousadia de buscar respostas para perguntas como ‘De onde viemos?’, ‘Quem é o nosso Criador?’, ‘Por que fomos criados?’ e ‘Para onde vamos?’. Ou seja, ficção científica. Mas que não deixa de questionar a religião e a fé. “Prometheus” pode ser o harém dos amantes da fantasia, mas também uma bomba relógio.
Ninguém é perfeito - A primeira metade do filme é perfeita. Com uma narrativa lenta, lançando questões existenciais, confrontando ciência e religião, numa tensão crescente, que se comunica com os nossos sentidos com sons e sugestões. Descobrimos o que os protagonistas descobrem – num admirável exercício de narrativa de um filme que privilegia o suspense, com o DNA de “Alien sendo pouco a pouco reconhecido. Além disso, os personagens são explorados pelo roteiro enquanto vão de encontro aos seus objetivos. Apresentados um a um pela presença impactante do andróide David (num extraordinário desempenho de Michael Fassbender), ávido por conhecimento, enquanto os passageiros da nave Prometheus dormem por longos dois anos. Ele caminha por salas e corredores, assiste a “Lawrence da Arábia”, copiando o penteado de Peter O’Toole e seu tom de voz no filmaço de David Lean, repetindo várias vezes uma das falas de T.E. Lawrence (‘The trick, William Potter, is not minding that it hurts), que se torna a chave para compreendermos sua curiosa relação com a verdadeira heroína de Prometheus, a cientista Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), que se revela tão forte quanto Ripley. Ao notar sua resistência à dor, sendo capaz de tudo para alcançar seus objetivos, David percebe nela um vício em comum: o conhecimento.
Parece que estamos testemunhando o nascimento de mais uma obra-prima do cinema, mas aí vem a metade final de “Prometheus”. Mais ou menos, logo após a sequência da tempestade de areia pra ser mais exato. Todo e qualquer truque retirado da sutileza, da ideia de que ‘menos é mais’ – algo que deu muito certo em “Alien” e foi ignorado em suas continuações – desaparece. Falhas do roteiro se tornam evidentes, como o excesso de personagens. Dezessete passageiros nessa expedição parecem muita coisa. A não ser que todos os personagens sejam devidamente desenvolvidos. Mas não é o caso. Com exceção de David, Elizabeth, Holloway (Logan Marshall-Green) e Meredith Vickers (Charlize Theron), o restante é superficial, dispensável. Ninguém vai sofrer por esses quase anônimos. Inclusive há uma cena meio solta de um personagem ‘enlouquecido’ atacando alguns tripulantes. Solução tosca encontrada pelo roteiro para dar cabo do excesso de personagens dispensáveis e dar sequência aos mistérios da origem da vida.
Mesmo que não haja tempo para respostas – Scott optou por uma metragem de duas horas, o que é raro na atualidade –, “Prometheus” intriga, gera discussão e, não há como negar, é entretenimento acima da média. Não, o Ridley Scott de “Alien” e “Blade Runner” não chegou a mais uma obra-prima do gênero. Também não se vendeu ao esquemão hollywoodiano. Ele apenas encontrou um meio de continuar a fazer filmes autorais dentro da indústria. Sobreviveu. Se a geração atual exige tudo explicadinho e mastigado – cacoetes de uma época –, até que “Prometheus” é um filme desafiador. Saudosistas reclamam que a sua segunda metade tenta explicar demais. “Prometheus é, de fato, autodidata. Mas clássicos modernos do gênero, como “Matrix e “A Origem” também são. E olha que Scott praticamente não respondeu pergunta alguma em “Prometheus”. Verdade que o diretor sonha em fazer uma sequência. Mas o filme vive por si só. Scott devia deixar tudo para a nossa imaginação. Assim, “Prometheus duraria para sempre. Pois, de certa forma, seus mistérios agem como MacGuffin.
Filme evento - Prometheus” é mais que um filme. É um evento. Para cinéfilos de carteirinha, Ridley Scott retorna a um gênero em que é admirado por muitos, voltando a uma de suas maiores temáticas: a perturbação ideológica. “Prometheus” consegue ser muito além de um simples e declarado exemplar na era dos prelúdios e reboots.
Um dos maiores focos da trama não remete à franquia “Alien”, mas sim aos atos que estão por trás da expedição junto com o projeto “Prometheus” que vem ao título. Em uma breve descrição, “Prometheus” era um deus grego que queria compartilhar a divindade com a humanidade e, por isso, é punido. Essa definição, ao ser compreendido, torna-se a chave para que o filme se torne ainda mais grandioso (não melhor) que “Alien”, algo no patamar de “Blade Runner”.
A questão do homem e a busca por respostas é o ponto chave e a alma do filme. Em contrapartida, vem o antagonismo da história. Mas não com implantação de teorias ou a glorificação do senso comum como acontece em uma boa parte dos filmes de ficção cientifica. Mas sim com réplicas das dádivas dos questionamentos levantados pelo ‘replicante’ interpretado por Fassbender, que se consolida como um dos maiores e mais versáteis atores do momento.
Falhas que nos tornam humanos - Assim como o Roy (Rutger Hauer) de “Blade Runner”, David é aquele que confronta o espectador a perguntar o que é, enfim, a humanidade. Como a personagem de Noomi Rapace, David busca respostas sobre tudo, mas a diferença é que em muitos momentos do filme, ele sabe como articular essas dúvidas, desafiando o personagem de Marshall-Green e o próprio público – fazendo o Homem perceber que ainda está despreparado para compreender as respostas. Talvez ele – por não ser considerado humano – possa.
Mas o que significa ser humano? David está sempre assistindo, como uma devoção, a “Lawrence da Arábia”, carregando sempre a artificialidade ao seu rosto, mas buscando se aproximar do que faz alguém humano. Se disserem que a definição está no ser com ideias determinadas, tomam atitudes baseadas em sua intuição, bem, seria possível chamar David de humano?
Prometheus” talvez não tenha a intenção de superar “Alien”, Nem poderia. É assumidamente mais ambicioso. E Scott não quer se repetir. Ele quer deixar sua assinatura no gênero e na mente do espectador. E quando um filme consegue levar um debate a outro nível, que muitas vezes começa a aparecer linhas de pensamentos intrigantes e até desafiadores, isso quer dizer que você percebe o quanto ele é genial. Porque a ficção cientifica está aí amigos, para debater sobre o desconhecido e encontrar respostas para perguntas que, em algum momento, vão às nossas vidas. O próprio “Blade Runner” não foi devidamente reconhecido na época de seu lançamento.
No final, com uma cena que podia muito bem ter ficado para o pós-créditos, “Prometheus leva a dois caminhos: aos filmes da série “Alien” e a uma saga inteiramente nova, que pode ter continuação para saciar uma geração que precisa de respostas. Falta aos humanos, ao cinéfilo, e ao próprio Ridley Scott o reconhecimento de que a vida e os filmes são exatamente como devem ser: perfeitos por serem imperfeitos.
Texto com a colaboração de João Paulo Rodrigues (Cine JP)
Prometheus (EUA - 2012 - 124’) Direção: Ridley Scott Com: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshall-Green, Idris Elba e Guy Pearce, entre outros.
Distribuição: Fox Filmes

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