13 de junho de 2012

‘Rotinas futuristas’


Rotinas futuristas
A gente busca o contato com os próximos, adoramos os populares...
C&N
Um dos exercícios de um texto é o de se imaginar como a vida pode ser daqui a alguns anos, no futuro. Na modalidade ficção científica tivemos exemplos de um Julio Verne, Arthur Clarck e o recém-falecido Ray Bradbury.
Claro que não me coloco, nem a pessoa e muito menos o meu texto, nessa linhagem: aquelas são apenas evocações para dar início ao argumento desta semana.
Muitas das vezes que leio o Publishnews me pego um atrasado tecnológico. Parece que todos já estão numa vida em que o livro de papel é minoritário, quase uma lembrança bonita. Sinceramente, fico amedrontado e, ao mesmo tempo, desafiado por este mundo que galopa em nossa direção, mas no dia a dia está tudo muito mais antigo do que modernoso.
Quando comecei como balconista na Livraria Iporanga nos idos de 1990, as tarefas criadas por um dos patrões eram um reflexo de um mundo sem o virtual. Seu Antonio Marnoto achava que estávamos meio devagar e disparava: Zé Luiz, tá vendo aquelas embalagens de Bic? Abra uma por uma e conte se tem mesmo 50, acho que me passaram pra trás...
Se viessem amigos alfabetizados a fim de uma conversa, que poderia derivar para uma aquisição bibliográfica, essa conversa era interpretada como malandragem - esse rapaz está me enrolando, ouvia uma ordem cortante, vá ver aquela pilha de livros desarrumada e deixe de papo.
Abrir e ler uma revista sobre atualidades era difícil - ler sentado mais ainda. Arrumávamos, eu e mais dois funcionários, os livros nas estantes como o mito de Sísifo, ao final do trabalho voltávamos ao mesmo ponto iniciado na outra segunda.
Hoje as rotinas são parecidas, só que eu no papel do Seu Antonio, vejam vocês. Somam-se às arrumações de prateleiras, muito saudáveis pelo contato físico com os títulos, o contato com pessoas que nos visitam fisicamente e virtualmente, através de e-mails, Twitter, Facebook e correio.
Ao contrário de repreender um livreiro por conversar com amigos, a gente busca exatamente o contato com os próximos, adoramos os populares, que sabem se comunicar com muitos ao mesmo tempo, nas redes sociais e na livraria, no téte a téte.
E no futuro? Devemos continuar nesse balanço entre o modo antigo e o novo. O livreiro é um tesouro no ambiente, as suas sugestões vem carregadas de referências reais, valiosas para o leitor, que atesta com o livro em mãos, lendo com desconfiança a orelha. Alguém já viu uma orelha que afasta o leitor da obra? Também sinto falta dos vendedores de praça, com suas malas abarrotadas de novidades, que são muito melhores de analisar do que relações enormes em malas-direta monótonas.
Meus funcionários podem e devem ler de tudo, sentados ou em pé, podem falar pelos cotovelos com amigos na loja ou nas redes da web.
O Seu Antonio tinha razão em muitas coisas, o mito de Sísifo, por exemplo, continua: nada melhor do que o contato com os livros para lembrarmos o que dispomos por perto. Só acabei com a papelaria, não contamos o número de Bics mais; será um trauma, ou vingança?

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