18 de junho de 2012

‘‘A Invenção de Hugo Cabret”


‘‘A Invenção de Hugo Cabret
Belíssimo filme de Martin Scorsese é também uma original homenagem ao cinema.
C&N
Na primeira metade do século 20, era comum encontrar pessoas que, vindas de outras profissões, se transformaram em diretores expressivos. Billy Wilder veio do jornalismo, Alberto Lattuada era formado em arquitetura, William Wyler estudou violino e música antes de trabalhar como publicitário do produtor Carl Laemle. Posteriormente, a paixão pelo cinema foi a única ou a principal motivação de muitos que, há várias décadas, são garantias de filmes notáveis. Martin Scorsese é, no sentido de aliar talento e amor à sétima arte, um dos nomes mais marcantes. Na vida pessoal, esse americano de 69 anos, tem sido responsável por feitos de grande generosidade para a valorização de obras de outros companheiros seus. Caso, por exemplo, da restauração de “Os Sapatinhos Vermelhos”, da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger, de “Il Gattopardo”, de Visconti, através da Film Foundation que ajudou a criar. Mas, apesar dessas iniciativas, da sua atividade de crítico e da sua participação em um documentário de TV sobre os cem anos do cinema, ele parecia evitar a abordagem do mundo da sétima arte em seus longas de ficção. Apenas fez isso, porém de uma forma não totalmente abrangente, em “O Aviador”, que conta a história do magnata e também produtor e diretor Howard Hughes (em grande atuação de Leonardo DiCaprio). Na maior parte das vezes, Scorsese deu preferência a roteiros carregados de violência. Como o hoje clássico “Taxi Driver”, “Os Bons Companheiros”, “Cassino”, “Gangues de Nova York” e o notável “Os Infiltrados”, que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor de 2006.
Só agora, no 50º título de sua filmografia como diretor, é que esse descendente de sicilianos nos oferece uma realização que se volta para uma das páginas mais heroicas da história do cinema. Em “A Invenção de Hugo Cabret” (“Hugo”), o cineasta cinéfilo nos conta uma história conduzida pelo menino Hugo (Asa Butterfield) na Paris dos anos 1930. Ele mora escondido nos altos da estação de trens, justamente na torre do relógio, de cujo mecanismo cuida na ausência do tio e tutor, o beberrão Claude (Ray Winstone). Este desaparece e o solitário Hugo vive de pequenos furtos, que incluem pequenas peças mecânicas e de precisão na loja de um homem idoso (Ben Kingsley, excelente). O velho o flagra em um roubo e pega um caderninho que o menino levava no bolso. Ao abri-lo, se altera. A razão é um desenho ligado a um boneco de ferro (ou similar) que o falecido pai de Hugo (Jude Law) tirou de um museu.
A partir da metade, o enredo toma um rumo que convém não revelar. Por isso, quem quiser conservar o impacto da surpresa, não leia este texto daqui em diante. É que pouco a pouco, paralelamente a outros conhecimentos, Hugo e a adolescente Isabelle (Chloë Grace Moretz) descobrem que o velho irado, Georges Méliès, foi um pioneiro do cinema. Vindo do mundo do ilusionismo, ele é amargo porque viu o seu fantástico mundo de criação cinematográfica se perder nas consequências da Primeira Guerra e em um incêndio. O boneco que Hugo tinha, havia sido dele.
Adaptado de um livro de Brian Selznick, o roteiro de John Logan (“O Aviador” e “O Último Samurai) mistura ficção e realidade para se concretizar em uma das mais expressivas homenagens do cinema a alguém do passado (e bota passado nisso), do cinema e que, paradoxalmente, andava esquecido pelos cineastas e críticos. A contribuição de Méliès (1861-1938) para a evolução da Sétima Arte foi decisiva, quando descobriu que o invento dos irmãos Lumiére em 1895, possibilitaria uma nova forma de espetáculo para contar histórias, e não ser o mero registro documental de situações verídicas. De 1896 até 1913, esse ilusionista foi o responsável por mais de 500 filmes. Muitos contavam tramas rocambolescas, outros deram início à ficção científica. Como “Viagem à Lua” (1902), que aparece neste longa e é, hoje, um dos mais divulgados.
É paradoxal que Scorsese tenha escolhido este argumento para fazer a sua primeira criação em 3D. Na história, a precisão dos mecanismos que movem objetos como relógios, filmadoras e máquinas de trens, é acentuada pela câmera. Mas sempre se faz presente a ideia de que esta precisão necessita de calor humano. Como uma nova tecnologia (o 3D) que se torna participativa na criação do clima de fábula que existe no filme, do início ao fim. Mas ela não é essencial, é mero coadjuvante. Sua ausência em DVD não compromete a poesia do longa.
Há alguns personagens que não decolam, ressoam piegas. Caso do policial da estação (Sacha Baron Cohen), que tem pouco humor. Outros não ganham muito tempo na tela, mas acrescentam ternura, como o livreiro Labisse (o lendário Christopher Lee, que completou 90 anos em 22 de maio) e Mama Jeanne ou senhora Méliès (Helen McCrory, ótima). São pequenos elementos do mosaico onde Hugo se movimenta e que permitiu esse impressionante clima de fantasia. Com a ajuda da fotografia de Robert Richardson (de “Bastardos Inglórios”), da direção de arte de Dante Ferreti e Francesca LoSchiavo, dos efeitos especiais de uma equipe de quatro técnicos (as três categorias agraciadas com o Oscar) e da música de Howard Shore, a superprodução conduzida por Martin Scorsese resultou em uma das mais comoventes e didáticas homenagens do cinema ao cinema. “A Invenção de Hugo Cabret” é o mais belo longa desse cineasta incansável e altruísta. É também o melhor lançamento de 2012 até o momento.
Alfredo Sternheim é cineasta, jornalista e escritor
A Invenção de Hugo Cabret (“Hugo - EUA - 2011 - 126’) Direção: Martin Scorsese Com: Asa Butterfield, Ben Kingsley, Chloë Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, Helen McCrory, Michael Stuhlbarg, Christopher Lee, Jude Law, Ray Winstone e Emily Mortimer, entre outros.
DVD: Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Fullscren (1.78:1) Áudio: Dolby Digital (5.1) Idioma: inglês e português Legenda: português e inglês Extras: Making Of
Distribuição: Paramount Home Entertainment

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