‘‘A Invenção de Hugo Cabret”
Belíssimo filme de Martin Scorsese é também uma original
homenagem ao
cinema.
C&N
Na
primeira
metade do século 20, era comum encontrar pessoas que, vindas de outras
profissões, se transformaram em diretores expressivos. Billy Wilder
veio
do jornalismo, Alberto Lattuada era formado em arquitetura,
William
Wyler estudou violino e música antes de trabalhar como publicitário do
produtor Carl Laemle. Posteriormente, a paixão pelo cinema foi a
única ou
a principal motivação de muitos que, há várias décadas, são garantias de
filmes
notáveis. Martin Scorsese é, no sentido de aliar talento e amor à
sétima
arte, um dos nomes mais marcantes. Na vida pessoal, esse americano de 69
anos,
tem sido responsável por feitos de grande generosidade para a valorização de
obras de outros companheiros seus. Caso, por exemplo, da restauração de “Os Sapatinhos Vermelhos”, da
dupla Michael Powell e Emeric Pressburger, de “Il Gattopardo”, de
Visconti, através da Film Foundation que ajudou a
criar.
Mas, apesar dessas iniciativas, da sua atividade de crítico e da sua
participação em um documentário de TV sobre os cem anos do
cinema,
ele parecia evitar a abordagem do mundo da sétima arte em seus longas de
ficção.
Apenas fez isso, porém de uma forma não totalmente abrangente, em “O Aviador”, que conta a
história
do magnata e também produtor e diretor Howard Hughes (em grande
atuação
de Leonardo DiCaprio). Na maior parte das vezes, Scorsese deu
preferência
a roteiros carregados de violência. Como o hoje clássico “Taxi Driver”, “Os Bons Companheiros”, “Cassino”, “Gangues de Nova York” e o
notável “Os Infiltrados”,
que
lhe rendeu o Oscar de melhor diretor de
2006.
Só agora, no 50º título de sua
filmografia como diretor, é que esse descendente de sicilianos nos oferece
uma
realização que se volta para uma das páginas mais heroicas da história do
cinema. Em “A Invenção de Hugo
Cabret” (“Hugo”), o cineasta cinéfilo nos conta uma história
conduzida pelo menino Hugo (Asa Butterfield) na Paris dos anos
1930. Ele mora escondido nos altos da estação de trens, justamente na torre
do
relógio, de cujo mecanismo cuida na ausência do tio e tutor, o beberrão
Claude (Ray Winstone). Este desaparece e o solitário
Hugo vive de pequenos furtos, que incluem pequenas peças
mecânicas
e de precisão na loja de um homem idoso (Ben Kingsley, excelente). O velho o
flagra em um roubo e pega um caderninho que o menino levava no bolso. Ao
abri-lo, se altera. A razão é um desenho ligado a um boneco de ferro (ou
similar) que o falecido pai de Hugo (Jude Law)
tirou
de um museu.
A partir da
metade, o
enredo toma um rumo que convém não revelar. Por isso, quem quiser conservar
o
impacto da surpresa, não leia este texto daqui em diante. É
que
pouco a pouco, paralelamente a outros conhecimentos, Hugo e a
adolescente Isabelle (Chloë Grace Moretz) descobrem que o
velho
irado, Georges Méliès, foi um pioneiro do cinema. Vindo do
mundo
do ilusionismo, ele é amargo porque viu o seu fantástico mundo de criação
cinematográfica se perder nas consequências da Primeira Guerra
e
em um incêndio. O boneco que Hugo tinha, havia sido dele.
Adaptado de um livro de Brian
Selznick, o roteiro de John Logan (“O Aviador” e “O Último Samurai”) mistura ficção e realidade para
se
concretizar em uma das mais expressivas homenagens do cinema a alguém do
passado
(e bota passado nisso), do cinema e que, paradoxalmente, andava esquecido
pelos
cineastas e críticos. A contribuição de Méliès (1861-1938) para a
evolução da Sétima Arte foi decisiva, quando descobriu que o invento dos
irmãos
Lumiére em 1895, possibilitaria uma nova forma de espetáculo
para
contar histórias, e não ser o mero registro documental de situações
verídicas.
De 1896 até 1913, esse ilusionista foi o responsável por mais
de
500 filmes. Muitos contavam tramas rocambolescas, outros deram início
à
ficção científica. Como “Viagem à
Lua” (1902), que aparece neste longa e é, hoje, um dos mais
divulgados.
É
paradoxal que Scorsese tenha
escolhido este argumento para fazer a sua primeira criação em
3D.
Na história, a precisão dos mecanismos que movem objetos como relógios,
filmadoras e máquinas de trens, é acentuada pela câmera. Mas sempre se faz
presente a ideia de que esta precisão necessita de calor humano. Como uma
nova
tecnologia (o 3D) que se torna participativa na criação do clima de
fábula que existe no filme, do início ao fim. Mas ela não é essencial, é
mero
coadjuvante. Sua ausência em DVD não compromete a poesia do longa.
Há alguns
personagens
que não decolam, ressoam piegas. Caso do policial da estação (Sacha Baron Cohen),
que
tem pouco humor. Outros não ganham muito tempo na tela, mas acrescentam
ternura,
como o livreiro Labisse (o
lendário
Christopher Lee, que completou 90 anos em 22 de maio) e Mama
Jeanne ou senhora
Méliès (Helen McCrory, ótima). São pequenos elementos
do
mosaico onde Hugo se movimenta e que permitiu esse impressionante clima de
fantasia. Com a ajuda da fotografia de Robert
Richardson
(de “Bastardos
Inglórios”), da direção de arte de Dante
Ferreti
e Francesca LoSchiavo, dos efeitos especiais de uma equipe de
quatro técnicos (as três categorias agraciadas com o Oscar) e da
música de Howard Shore, a superprodução conduzida por
Martin Scorsese resultou em uma das mais comoventes e didáticas
homenagens do cinema ao cinema. “A
Invenção de Hugo Cabret” é o mais belo longa desse cineasta
incansável e
altruísta. É também o melhor lançamento de 2012 até o momento.
Alfredo
Sternheim é
cineasta,
jornalista e
escritor
“A Invenção de Hugo
Cabret”
(“Hugo” - EUA - 2011 - 126’) Direção:
Martin Scorsese Com:
Asa
Butterfield, Ben Kingsley, Chloë Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, Helen McCrory, Michael Stuhlbarg, Christopher Lee, Jude Law, Ray Winstone e Emily
Mortimer,
entre outros.
DVD: Menu interativo - Seleção
de cenas
Tela:
Fullscren (1.78:1)
Áudio:
Dolby Digital
(5.1) Idioma:
inglês e
português
Legenda:
português e inglês Extras: Making Of
Distribuição: Paramount Home
Entertainment
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