3 de maio de 2012

‘A salvação segundo Beto Brant’


A salvação segundo Beto Brant

Melodrama de índole religiosa.

C&N
Será “Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios um filme religioso? Será um melodrama mexicano transplantado para a Amazônia do século 21? Seria ambas as coisas, mas filtradas pela secura da pena de Marçal Aquino e das lentes de Beto Brant e Renato Ciasca?
A partir daqui, este texto contém spoilers. Se você ainda não viu o filme, deixe para ler depois.
Lavínia, a personagem defendida com unhas e pélvis por Camila Pitanga, é uma pecadora com mais capacidade de regeneração que cauda de lagartixa. Dona de um passado traumático, ela é salva duas vezes durante o filme: primeiro, da sarjeta pela palavra do pastor sedutor e engajado; depois, da loucura pelo olhar apaixonado do fotógrafo individualista. O tema da redenção se estende de Lavínia (o corpo) aos eventos da comunidade onde se passa o filme (o espírito): o circo pagão de Xico Chagas se opõe ao circo místico-político do pastor Ernani.
Outros signos pararreligiosos, ou que relacionam o religioso com o profano, se espalham pelo filme. Cauby, o fotógrafo, cultua imagens de Lavínia expostas nas paredes de sua casa. A grande cena de exorcismo se assemelha, em seu paroxismo, às muitas de sexo, praticado sempre com muita sofreguidão e umidade corporal. A própria história é contada com uma estrutura de cruz: Lavínia é o eixo vertical, que atravessa toda a história, enquanto Ernani e Cauby cruzam sua vida com uma breve interseção, justamente (e literalmente) sobre ela. Se Lavínia é uma espécie de Madalena, a prostituta bíblica, quem é atingido pela primeira pedra é Cauby.
Talvez a gente possa encontrar ecos de religião em outros filmes de Beto Brant, um diretor comumente associado a um mundo de violência e corporalidade. Por exemplo, a expiação da culpa é central em “Ação Entre Amigos” (1998) e “O Invasor” (2002). A salvação pelo anjo amoroso é uma possível chave de leitura para “Cão sem Dono (2007). E tem ainda o tratamento cômico do personagem no seu primeiro curta, codirigido por Ralph Strelow.
Eu Receberia… é um melodrama de índole religiosa, embora os traços definidores desse gênero estejam camuflados por uma encenação que aponta sempre para o visceral e o sensual. Neste que considero o melhor resultado de sua parceria de direção com Ciasca, Brant recombina elementos de sua primeira fase, quando já trabalhava com roteiros de Aquino e produção de Ciasca - e de suas criações mais recentes. O argumento policial e a ação distanciada de centros urbanos, do início da carreira, vêm mesclados com o huis clos amoroso e uma relação íntima entre sexo e criação/fruição artística, predominantes em “Crime Delicado” (2005), Cão sem Donoe “O Amor Segundo B. Schianberg” (2010).
Dessa mélange vem uma força muito peculiar aos filmes do grupo. Uma força que, no novo filme, está melhor concentrada no triângulo central, enquanto se dispersa e afrouxa nas subtramas paralelas: o editor de jornal, que reedita o insuportável clichê da bicha erudita; o exotismo do velho palhaço e da cantora esotérica; e o discurso sobre a devastação da floresta amazônica. O espaço aberto, de maneira pouco suave, a esses ingredientes terciários rouba bastante da densidade do filme.

P.S. Camila!!!

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